BRASIL REPRISTINADO



Brasil, 1985. Aproximava-se 15 de janeiro. Tempo culminante, 20 anos passados do regime excepcional, militarizado. Após “abertura gradual e segura”, “anistia ampla geral e irrestrita”, concertada durante os últimos 10 anos por lideres militares e civis. Chegava, finalmente, o último ato, as derradeiras eleições indiretas para presidente da República. A sociedade, que fora, havia pouco, alijada de protagonizar diretamente do epílogo, arrebatava-o, o espírito. Não há não-opção, o homem do consenso radical cumpriria o seu vaticínio: eleito presidente, conduziria o país a uma nova era de liberdade, democracia, justiça.

Pequena cidade do interior, ladeada por cerrado e veredas gerais. De lá, então, mal entrado na adolescência, sem reminiscências do pretérito, que não alcançava, sem ódios militantes, sem marcas ideológicas, assistia àqueles acontecimentos, mais curioso do que emocional. Filtrava-os a partir dos valores individuais, familiares, provincianos... Longe, é certo, de um êxtase coletivo que perpassava as grandes aglomerações, os metropolitanos centros irradiadores do novo, do moderno, das enormes representações sociais.

Num daqueles dias, apresentado a um ancião, já marcados por anos e, sobretudo, pelos vários momentos e regimes que marcaram o Brasil do século XX, ele iluminava, eloqüente, diversas mentes ávidas por compreender um pouco mais aquele momento histórico. Vaticinava, quase suplicava, por que o eleito certo presidente convocasse imediatamente uma nova Assembléia Nacional Constituinte. Palavras estranhas, inalcançadas por um e vários outros adolescentes. Inquirido, o septuagenário prontamente elucidou: a Assembléia Nacional Constituinte fundará um novo Brasil, numa nova Constituição, a partir dos anseios secularmente reprimidos da sociedade por liberdade, democracia, justiça.

Diante dessas palavras magníficas, irmanavam-se todos no desejo de que a predição, o quase pedido do velho se realizasse. Todavia, infortúnio dos infortúnios, o espírito da morte impediu a assunção pelo eleito presidente. Em seu lugar retornou o que não foi, e os seus sócios também não- idos. A despeito da legitimidade tortuosa, o assumido convocou a suplicada Assembléia Nacional Constituinte, que, de fato e de direito, repristinou , mais que fundou, o Brasil.

A Assembléia Nacional Constituinte, no seu ato fundamental, positivou a Constituição da República Federativa do Brasil, enunciando todas as promessas não cumpridas, os programas impossíveis, os sonhos, mentiras, as declarações solenes, os direitos e deveres... prontos, acabados, perfeitos, para se ignorarem, descumprirem, eficazmente, como sói.

Enfim, malgrado todos equívocos, erros, incongruências, engodos, problemas..., se a Constituição da República Federativa do Brasil se tivesse convolado verdadeiramente na Magna Carta almejada por aquele ancião, para aqueles adolescentes de 1985 e todos os brasileiros de hoje, resultaria, verdadeiramente, o acerto bastante. Contudo, desde lá, sucedem-se “donos” dos poderes constituídos, norteando-se exclusivamente pelo desejo de se constituírem a si mesmos.

Infeliz é o povo que não tem Carta Magna!

Comentários

  1. MARAVILHOSO TEXTO.
    DIZEM QUE ESTA CONSTITUIÇÃO É QUASE PERFEITA.
    PENA QUE QUASE NUNCA É CUMPRIDA

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  2. A Constituição dos sonhos, aquela que determina a função exata de cada um dos três poderes, e os respeita, ainda não temos. Infeliz é a nação...

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  3. marcia190714/09/10, 15:50

    o ancião era ulysses ou teotônio villela?
    no mais, concordo que infelizmente a constituição, principalmente no que diz respeito às obrigações dos governantes, ainda não saiu do papel.

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  4. B Schopenhauer14/09/10, 16:12

    Ferdinand Lassalle dizia que Constituição não é mais que uma folha de papel. A Constituição real, para ele, seria o povo. Pois, o ideal, penso, seria que o povo vivenciasse a Constituição.

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  5. marcia190714/09/10, 16:25

    sim, mas ferdinand é o precurssor da social democracia alemã. eu fiquei curiosa sobre o velhinho que você ouviu no interior do país.

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  6. Marcinha, penso que o ancião poderia ser qualquer um. Qualquer velho, matuto do interior, talvez por isso mesmo muito sábio, passando lições para um garoto de 15 anos. Quem sabe, plantando nesse jovem a semente de um sonho...

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  7. marcia190714/09/10, 16:46

    ah, bom. valeu!
    brigadim pela informação

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  8. B Schopenhauer14/09/10, 16:51

    O velhinho era meu avô materno, que nunca pisara numa sala de aula, mas sabia ler, escrever, contar... era autodidata; conseguia, ainda depois de um dia todo lavorando a terra, à noite, depois da janta, sorver os livros, à beira do fogão de lenha, à luz de lamparina.

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