SOTAQUE


"Eu ia de camelo. Mas, como não sou queijo, tomei um gol para não me atrasar. Seriam dois palitos até a goma se um zero a zero ao meu lado não pregueasse tanto. O que eu fiz? Dropei." 


Sou mineira - se é que alguém ainda não sabe. No fim de semana, numa dessas rodadas de papo legal entre totais desconhecidos que a internet nos proporciona, falávamos sobre as delícias da mineiridade, aí incluído o sotaque "das mineiras". De fato, é um sotaque gostoso. Reconhecido facilmente em qualquer lugar que se vá. Creio que os sotaques mineiro, carioca e o gaúcho são os únicos que não são confundidos com nenhum outro do Brasil.

O Brasil tem muitos sotaques, e isso é fala batida. Mas e o da capital do país? Qual é? Brasília tem sotaque? Muitos se perguntam e em busca de respostas, vários especialistas tentam identificá-lo.

Uma das teorias sobre o assunto é do professor Djalma Cavalcante Melo, chefe de Departamento de Linguística, Línguas Clássicas e Vernáculas da UnB, que estudou as Atitudes Linguísticas e variedades de falas do Brasil. Em sua dissertação de mestrado, Djalma comparou seis sotaques diferentes (gaúcho, goiano, paulistano, pernambucano, carioca e brasiliense) e constatou que o dialeto candango não tem traços socialmente marcados.  

"Embora Brasília tenha acolhido diversos migrantes, não há sotaque predominante de alguma região, nem influência significativa", diz o professor. Djalma acredita que exista na capital o sotaque emergente - que ainda está em formação - mas, categoricamente, não é copiado de nenhum outro estado do país. Além disso, o brasiliense fala com uma melodia neutra. Em outras palavras, para ele, o sotaque de Brasília é não ter sotaque.

Uma outra ideia parte da mesma premissa, porém aponta para um desdobramento. A doutora em Linguística da UnB, Stella Maris Bortoni, defende que o linguajar do candango tem características suprarregionais, mas quem nasce aqui, apesar de receber a influência da produção cultural  dos estados de origem dos pais, tende a formar suas próprias expressões. Gírias, no entanto, são modismos, e como tal, são efêmeras. Mas ressalta que "se tivermos produções culturais com grande expressão nacional, algumas gírias poderão ser fixadas." Ela acredita que daqui a duas gerações, Brasília terá a sua fala consolidada. 

Ao observar os apontamentos dessas teses, trazendo-os para a convivência diária aqui na cidade, noto um traço muito positivo sobre o brasiliense não ter sotaque. Ao invés de exacerbar uma falta de identidade, na verdade, ele uniformiza. Creio que em lugar algum do país isso seja possível: não existe diferença no modo de falar das pessoas em nenhuma das camadas socioeconômicas de Brasília. Todo mundo fala igual. 

No que diz respeito ao uso da linguagem falada, tanto faz morar na Vila Estrutural, uma das regiões mais carentes do Distrito Federal, ou em qualquer quadra do Plano Piloto. Todos falam a mesma língua. Tal característica é facilmente observada nos jovens que, nascidos aqui, falam com a mesma entonação e cadência, usando as mesmas expressões idiomáticas. Não importa em qual escola estudam, o que fazem no fim de semana, se moram numa rua sem asfalto e esgoto ou numa mansão do Lago Sul.

E para não dizer que esse ainda embrião de dialeto (com ou sem sotaque) brasiliense não pode ser divertido, veja aí a "tradução" do fragmento com que iniciei esse post. Aquele lá de cima, aposto, você não entendeu nada...

"Eu ia de bicicleta. Mas, como não sou bobo, tomei um ônibus para não me atrasar. Seria rápido até a minha casa se uma pessoa desagradável, ao meu lado, não chateasse tanto. O que eu fiz? Enfrentei a situação."

*Conta aqui nos comentários, pra mim: qual sotaque você acha irresistível?!

Comentários

  1. A confluência de brasileiros que formou a tribo dos candangos teria sim que gerar um novo modelo de sotaque no Brasil.
    Torna mais autêntica a capital Brasília, sempre citada pelos atos de banditismo dos nossos ladrões de plantão, mas só lembrada com o devido carinho pelos que a conhecem bem; linda, moderna e cativante cidade.
    "Te Amo Brasília", como diria Alceu valença.

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  2. Como Zelig, o camaleão, adoro todos os sotaques, em particular o do interior de São Paulo! "Nóis cavoca, cavoca, mais o serviço num rende"

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  3. Ah, sotaques. Tão característico do nosso pais,nosso povo.
    Demorei para entender o que realmente significa "sotaque" e explico.
    O português é a minha terceira lingua, que aprendi com 13 anos de idade, e aprendi nas ruas do Rio de Janeiro, mais específicamente no Aterro do Flamengo, jogando bola com o "povão".
    Aos poucos aprendi as nuánces da lingua e achava graça nos que me ensinavam vocábulos novos.
    Um dos que me ajudaram a falar português era um camarada, negro, taxista mas acredito que, meio preguiçoso porque passava mais tempo jogando bola do que trabalhando. Ele, Bahiano de nascimento e carioca por forças das circunstâncias. (Diziam que o "Negão" tinha mais de 500 anos de cadeia a cumprir em Salvador !)
    Ele me ensinou os sotaques diferentes do norte do Brasil.
    Acredito que ele tambem tenha ficado um tempo (foragido é claro) no Rio Grande do Sul, assim ele dominava aquele sotaque com perfeição. Mas o melhor era ele emitando paulista. Impagável.
    Alias o "Negão" foi o responsável por eu optar por torcer pelo Fluminense.
    Após o jantar, a minha familia dava uma volta no quarteirão (moravamos no Hotel Glória, recém chegados da Dinamarca!). Nas quartas o Negão ficava na portaria do hotel e pedia permissão ao meu pai para me levar ao Maracanã. Sempre jogos do Fluminense !
    Que o "negão" descanse em paz.

    O sotaque regional que mais me encanta é o da mulher Gaúcha !:)

    Lunarscape

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  4. Quando experimentar teu sotaque, achá-lo-ei irresistível! ;)

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  5. Recebi o link pra esse texto ontem, mas só hoje as contingências me deixaram ler e comentar.
    Adoro sotaques... gosto, particularmente, do meu e do sotaque mineiro, que tenho uma admiração incondicional. Gosto também da diversidade de costumes, a culinária... acho que cada região é quase uma civilização à parte no nosso país continental. E isso é lindo!
    Mas fiquei surpresa de saber que o brasiiense não tem sotaque. Nem consigo imaginar como seja isso, rsrs.. Adorei o texto!!
    Obrigada!
    Bjão

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