FIM DE VERÃO


Sábado foi o fim de uma das manias mais poéticas do carioca: a cerimônia de aplaudir o por-do-sol na pedra do Arpoador. O fim do horário de verão, faltando um mês para acabar a estação, além de ser absolutamente inexplicável, leva também com ele o banho de mar noturno. E a cidade vai se dando conta de que a alegria e o despojamento estão também com os dias contados. Sim, eu não sou uma das maiores amantes do verão carioca, ainda mais quando ele vem escaldante e seco como deste ano, mas admito que a estação seja a cara da cidade. 

E só ela merece apelido por aqui. Se já tivemos o “verão da lata”, (dezenas de pacotes de maconha, despejadas de um iate, minutos antes da policia chegar, apareceram nas praias) este será lembrado como o verão das ocupações dos morros pelas UPPs. Controversas, as unidades de polícia pacificadoras entraram em diversas favelas com ajuda do exército, marinha e de grupos especializados como Bope (Batalhão de Operações Especiais, da PM) e Core (Coordenadoria de Recursos Especiais, da Policia Civil). Estes dois últimos por terem em suas fileiras jovens de boa aparência e corpos musculosos inspiraram uma nova expressão para paquera feminina. As meninas mais desinibidas perguntavam aos policiais se não queriam “fazer uma ocupação” na casa delas...

E este verão foi atípico não só pela sua secura e alta temperatura, mas também por alguns acontecimentos. A tragédia da serra, por exemplo, teve origem em violentos deslizamentos de terras em áreas preservadas de Mata Atlântica. O assunto carnavalesco mais comentado não foi a confirmação que Roberto Carlos (o cantor) irá desfilar pela Beija-Flor e sim um incêndio em barracões na Cidade do Samba construída, entre outras razões, justamente para dar mais segurança inclusive contra fogo, às escolas de samba. 

E o que dizer sobre um jogador gaúcho que está dando lição de bom gosto musical aos cariocas? Sim, Ronaldinho pode não ter dito ao que veio em campo, mas no circuito boêmio ele já apresentou suas boas credenciais. Cartão vermelho para pagode caça níquel e todos os aplausos para o samba tradicional de Monarco, Nelson Sargento e até da nova garotada que se apresenta na Lapa.

Agora a nota triste é que em uma cidade que inspirou tanta ficção, tenha na última semana transformado ficção em realidade. A Tropa de Elite 2 saiu das telas e através de uma ação da Polícia Federal foi parar nos jornais. As manchetes informando que 30 policiais militares e civis, inclusive o subchefe da Polícia Civil, formavam quadrilhas que negociavam armas, drogas e informações com traficantes e milicianos. E para não restar dúvida alguma que a operação era para “pegar geral” a última cena foi a saída do próprio chefe da PC acusado de vazamento de informações aos policiais que estavam sendo investigado. A cereja do bolo foi o fato de que o delegado da PC que ajudou nas investigações da PF tenha sido Cláudio Ferraz, justamente um dos autores do livro Tropa de Elite 2 que deu origem ao filme...

E é assim com esta mistura de realidade e fantasia que o Rio segue (sobre)vivendo e vai se preparando para a maior de todas as festas: o Carnaval. Após ele, a cidade vai finalmente começar a encarar 2011, esperando que as águas de março levem tanta sujeira moral e física para bem longe e aqui deixe somente o bom-humor e o gosto pela vida.


Por Mirtes Guimarães, a jornalista carioca que nasceu em Minas Gerais.

Comentários

  1. Sandra Sallee20/02/11, 16:36

    Mirtes ,
    Texto perfeito ....
    parece que nada muda , mas nos nao perdemos as nossas esperancas . Eu daqui de longe quero me olvidar da minha terra querida quando leio e assisto as vergonhas e tragedias .
    Mas....... meu coracao e Carioca , de nascimento e vivencia . Conheco cada detalhe do retrato diario da nossa cidade .
    O que me faz insistir em acreditar que 1 dia essa nossa cidade vai tomar o rumo e nos alegrar e encher nosso coracao de orgulho , sao as memorias dos bons momentos ai vividos .

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  2. Mirthes, lindo o texto, permita-me só um adendo:
    O Verão da "Lata" foi o de 81. Uma denuncia fez com que a embarcação filipina SOLANA STAR, não aportasse
    no porto do Rio seguindo direto. Porém a Policia Maritima avisou que iriam abordar o navio. Resultado; mais de 500 latas recheadas com cannabis sativa, da melhor safra e procedência foram parar no mar. Morava eu, em São Conrado na época e sim eu vi a tal lata !
    Anos depois o Solana Star naufragou perto de Arrial do Cabo onde jaz até hoje!

    Lunar.

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  3. marcia190721/02/11, 16:31

    esta história do solana star merecia um artigo.que tal você contar para a gente?

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