CAI A NOITE


Sou duas vezes louco, eu sei,
Por amar e por dizê-lo em plangente poesia
Mas onde está esse sábio, que eu seria
Se ela não se negasse?


Como as ruínas e estreitas sendas íntimas da terra
Se purgam, expulsando o nocivo sal da água marinha, 

Pensei então que, se pudesse drenar as minhas dores,
Através do vexame das rimas eu as amansaria:
A mágoa vertida em números não pode ser tão feroz.
Porque a domina aquele que a acorrenta em verso.

Mas quando o consegui,
Um sujeito, para mostrar a sua arte e voz,
Pôs em música e cantou a minha dor.
E, deliciando muitos, de novo libertou
A mágoa que o verso reprimira.
Ao amor e à mágoa pertence o tributo do verso,
Mas não daquele que agrada quando é lido:
Ambos se acrescentam com tais canções,
Porque os seus triunfos assim se publicitam

E eu, duas vezes louco, deste modo me triplico;
Os pouco sábios, supinos loucos se revelam.
(John Donne)

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