LI, GOSTEI, COPIEI E COLEI



E se o Estado fosse sua família?
Publicado pelo Instituto Millenium
De Leandro Narloch

Caros leitores, preciso contar a vocês uma situação grave, a triste situação em que minha tia se encontra há alguns anos. Sem que possa se lembrar com exatidão como e quando começou, ela firmou um relacionamento sério com um senhor cheio de posses e domínios, um senhor que costuma ser chamado de Estado.
“Não posso afirmar que no começo nossa relação não foi cheia de expectativas”, disse minha tia num domingo lá em casa. “O Estado prometia cuidar das crianças, da saúde da família toda, da água, da luz e até dos filmes que passavam no cinema”. Mulher dada a falsas esperanças, tia Sociedade apaixonou-se. E os dois firmaram um contrato.
No entanto, como geralmente acontece com amores fortuitos, aquele senhor logo a decepcionou. Em pouco tempo ficou gordo, inchado, ineficiente e gastador. Apesar de tomar quase toda a renda da casa, tanto os rios, quanto escolas e hospitais, sob sua responsabilidade, fediam. Minha tia passou a reclamar com ele dia-a-dia: as queixas eram tão frequentes que logo se banalizaram, assim como as promessas dele de melhorar.
Em pouco tempo, ela chegou à conclusão que o melhor seria se o Estado parasse de prometer e fosse encarregado do menor número possível de tarefas. A surpresa foi que, quando comentou essas ideias com as vizinhas, ela ouviu desaforos. Sem entender por que, foi chamada de vendida às elites, capitalista selvagem, neoliberal.
Ficou ainda pior: o Estado, mesmo com tantas provas de ineficiência, se revelou um marido do tipo controlador, um control freak. Passou a meter-se em tudo e obrigar minha tia a fazer coisas que ela nem sempre aprova – ou que faria muito melhor que ele. Mandou minha tia instalar placas (com texto péssimo) nos elevadores, proibiu-a de ingerir algumas substâncias e se deu o direito de apoderar-se de boa parte do salário dela.
Ele toma, por exemplo, 8% do salário da minha tia todos os meses. Diz que ela não sabe lidar com o próprio dinheiro, por isso, ele guarda como uma garantia caso ela seja demitida. Acontece que o Estado investe o dinheiro com um rendimento ínfimo – basta ela olhar para o lado para achar opções que renderiam mais. Ela também queria usar essa economia para montar um negócio, mas não pode. Dá uma pena!
Mês a mês, aquele senhor dá a minha tia um vale-leite. “É estranho”, me contou ela enquanto lavávamos a louça. “Às vezes ele pede para alguém filmá-lo e me entrega esses vales com uma tremenda cara de compaixão, sem contar a ninguém que tomou mais uma parte do meu dinheiro para pagar os vales. Não sei por que ele faz isso, pois eu mesma poderia comprar o leite na padaria antes de chegar do trabalho”. Vai entender um homem desses!
Noites atrás foi a gota d’água. Cansada dos palpites do Estado, a tia resolveu pegar um cinema. Pensou em algum indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro – ela gosta de filmes alternativos europeus. Ao chegar ao cinema, descobriu que, por ordem do marido, havia sido instituída uma cota de tela: os cinemas eram obrigados a passar 20% de filmes brasileiros. Claro que o gerente das salas não tirou do ar os filmes mais assistidos: para incluir os nacionais, passou a exibir filmes alternativos só à tarde. Minha tia acabou assistindo um desses brasileiros patrocinados pelo seu marido. Saiu de lá com a sensação de que deve haver muitos parasitas na avantajada barriga do Estado.
Obstinada em terminar o dia com uma boa dose de cultura, minha tia resolveu passar na locadora e assistir um DVD em casa. Mas nem isso seu marido a deixara fazer. Quando chegou em casa, percebeu que o aparelho estava fora da tomada. Ao plugar o fio, se deu conta que o Estado havia decidido, de repente e sem consultá-la, mudar o padrão de tomadas de todo o país.

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