O MALFEITO TEM PODER




O politicamente correto infectou nossa vida. Um exemplo são as palavras roubo, desvio, corrupção, gatunagem terem virado "malfeito".

Quando vejo políticos dizerem malfeitos para os roubos mais descarados de dinheiro público, imagino logo: o que quer dizer é que ele sim, saberia roubar da forma certa, um roubo "bem feito", que não apareceria nos jornais e TVs de todos país?  Que o Ministério Público não descobrisse? Que ficasse eternamente impune? Dizer malfeito pra tudo isso que está ocorrendo é compactuar com os corruptos , é como chamar criminosos de aloprados. Isso já ocorreu.

As pessoas precisam perceber e entender que a palavra tem poder real. Apenas com a palavra conseguimos dar uma forma substancial às coisas sem que necessariamente existam, entendê-la, como se ela tivesse o poder de, do nada, criar o concreto. Como diz Jacopo Belbo em o Pêndulo de Foucault,  "Deus falou e não mandou um fax: 'Fiat Lux', segue espístola". Palavra tem um poder tão grande que percebemos nos discursos que o politico, o homem público,  não pode responder a todas as demandas e problemas, mas pela palavra, pelo truque retórico nos faz acreditar que há ações reais em curso. Os novos programas da presidente na saúde são uma boa amostra disso: dada a situação de revolta das pessoas pela situação deixada e mantida pelo atual governo no SUS, ela simplesmente anuncia um novo programa com forte componente emocional, como se o SUS fosse centrado agora no individuo. Nada mudará no SUS, mas pessoas acreditarão que algo está sendo feito, e algo será feito apenas para que as palavras presidenciais pareçam ter se transformado em ação. Faça-se a saúde, e assim foi feito.

Mas vamos voltar à palavra malfeito. Ela certamente não se encaixa em roubo, corrupção, etc. Pode se encaixar bem, por exemplo, em reclamações sexuais: "Você fez malfeito ontem", ou “Que dor nas costas, aquela posição do Kama Sutra foi mal feita”. Malfeito também pode querer dizer, ainda falando de sexo, de convite: "Vamos ali dar um malfeito rapidinho e já voltamos?" Porém só fará sentido se um deles ou ambos forem casados, namorados ou noivos, e então será um malfeito não para o saidinho casal, mas para o portador(a) de saliente massa óssea no crânio, conhecido fora dos círculos politicamente corretos por corno. Viram, não é mais fácil e definitivo dizer corno? Mesmo sendo o último a saber, é importante também entender o que se é. É corno e isso basta!

Malfeito também é uma forma de suavizar a palavra "merda". Dizer a alguém que fez malfeito é dizer educadamente que está uma merda. Olhar para o seu filho que estuda na USP e dizer: "Puxa filho, vocês fizeram um malfeito", é dizer que fizeram uma merda de protesto. Olhar para o serviço que o pedreiro fez em sua parede da sala de estar e dizer com toda delicadeza: “olhe meu caro, acho que isso está malfeito” é falar de uma forma educada que a sua sala de estar não é mais um lugar onde você gostaria de estar pois ficou uma merda.

A ditadura do politicamente correto está fazendo das pessoas um bando de palermas, que tentam se comportar sempre com o que chamávamos antigamente de “sangue de barata”. Aos donos do poder interessa em muito isso, pois ao retirar o peso e a carga negativa, faz com que se perceba de forma diferente a realidade.

Chamar corrupção de malfeito significa que teremos de começar chamar ladrão de tomador das coisas alheias e assassino de encurtador de vidas? Pare o mundo que eu quero descer! As coisas têm nomes que as definem corretamente, e em filosofia e política chamar as coisas pelo nome certo ajuda na clareza do pensamento, ajuda a saber realmente do que se trata e é disto que trata este texto, ainda que malfeito.

Denilson Cicote é o @deci_cote, que fala de "humor e política na medida certa e às vezes na medida errada, já que o homem é a medida de todas as coisas."

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Comentários

  1. e vamos combinar que mafeitos são o cabelo e o ministério da dilma, né não?
    e que sempre bemfeito é o texto do denilson!
    no mais, abaixo qualquer forma de politicamente correto

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  2. opcao_zili09/11/11, 13:38

    É isso aí. Abaixo o políticamente correto. Quero palavras verdadeiras. Tudo tem nome e os nomes têm que ser dados. Ótimo e esclarecedor.

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  3. Na primeira vez que ouvi esse termo, deu vontade de vomitar. Malfeito é o cacete. Malfeito é menivo que derruba leite na toalha da mesa, cozinheira que salga o feijão, padeiro que queima o pão e coisas afins.
    O que esses cornos fazem é roubo mesmo....
    Excelente texto meu caro.

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  4. Também ando sem paciência para tanto politicamente correto...Bons tempos que podíamos chamar os afro-descentendentes de neguinho,da mesma forma como me chamam de galega ,branquela é eu acho ótimo ,pq o sou.. Gostava de chamar os homo-afetivos,carinhosamente de viadinhos ,pq eles são como esses,leves,soltos,lindos... E quer saber..Este negócio de politicamente correto ,ñ é algo "malfeito" ,é mesmo uma baita MERDA. Adorei o texto ! !

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  5. Gelmir Reche09/11/11, 14:46

    Prezado Denilson,

    Como sempre, fecho contigo. Esta inqualificável manobra do "políticamente correto" para mudar o sentido das coisas, é que faz com que, por exemplo, o "Paloffi" tenha recebido uma "censura ética" da Comis. de Ética da Presidência por "problemas éticos" no cargo. Como disse no tuiter: Ué? Falcatrua mudou de nome?
    Ademais, ser politicamente correto num pais onde nada é correto (a começar por quem tem o dever de zelar por isso, a mim soa como um falso brilhante no meio da lama.
    Gelmir Reche

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  6. Brasileiros e brasileira.

    Agradeço demais os elogios. Os comentários funcinaram perfeitamente como complemento do texto e me sinto envaidecido por agradar pessoas que enchem qualquer área de comentários de qualidade e inteligencia.
    obrigado.

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