ASSIM CAMINHA A MEDIOCRIDADE


Há um consenso quase total entre os historiadores, filósofos de esquerda, sociólogos e correntes políticas (até da chamada “direita”) que a história envolve um processo dialético, e bem ou mal o estruturalismo levou esta pretensão a todos os cantos da sociedade. Se tudo é estrutura e tudo envolve um processo dialético, chegaríamos então através da tese, à antítese na síntese, ou seja, uma junção das melhores partes das duas oposições. Tudo evolui de forma inequívoca até que a síntese final chegue. Isso é bem (muito) “grosso modo” a forma do pensamento dialético. Infelizmente, os fatos muitas vezes desmentem a teoria, e muitas vezes a síntese resultante é um retrocesso, apontando para a involução ao invés da evolução. 

Em termos políticos, essa idéia cria um determinismo inerente à história da humanidade e estaríamos, então, marchando para uma resolução das contradições da sociedade. Esta idéia dos políticos de esquerda possui o viés messiânico das religiões; há a luta entre os contrários, mas tudo caminha para um fim que não é um fim, porém um início, para uma sociedade perfeita: o paraíso onde todos seriam bons e justos e todos teriam igualdade. Seria a síntese histórica da luta entre o capital e o trabalho. Apenas basta retirar Deus da equação e colocar ali o estado, ou acima dele Marx, cujos livros seriam as novas bíblias.

Na verdade, apesar da validade da análise dialética em vários seguimentos das ciências, inclusive na história, nem tudo caminha para a síntese neste mundo que não é o mundo do personagem de Voltaire em “Cândido” , onde o Sábio contrapõe, brilhantemente, ingenuidade e esperteza, desprendimento e ganância, caridade e egoísmo, delicadeza e violência, amor e ódio. Tendo como plano de fundo a sociedade do Séc. XVIII, retrata um mundo extremamente cruel e materialista.

Cândido é acompanhado a todo momento pelo filósofo, Dr. Pangloss, uma caricatura do filósofo Leibniz e de suas teorias extremamente otimistas onde tudo ; "É tudo para o melhor no melhor dos mundos possíveis". A ironia final de “Cândido” é que o personagem central, que inicia o conto rico e amado e termina pobre e órfão dizendo ao filósofo que está cantando as loas do mundo: "Tudo isso está muito bem, mas é necessário cultivar o nosso jardim".

Digo estas coisas com o pensamento na decisão do STF de liberar a marcha da maconha, o que entra em flagrante contradição com o artigo 289 do código penal que proíbe a apologia às drogas. Nenhum dos senhores do Supremo procurou usar argumentos jurídicos em suas alegações, mas dizeres ditados e o lirismo cabível à Academia Brasileira de Letras. Um dos ministros chega até a interrogar: “o que é droga? Café é droga? Cigarro é droga? Cerveja é droga?”. Creio que não são assim tipificados nas leis, mas quem sou eu para contraditar o ministro Lewandowisk?

Enquanto todos estiverem em suas marchas (que mal reuniu 5 mil pessoas em um país de 190 milhões), mostrando que os maconheiros (ou ervoafetivos) têm mais apoio no Senado (com mais de 5 mil funcionários) que na sociedade, pais, autoridades responsáveis e povo em geral estarão dizendo às autoridades: “tudo isto está muito bem, mas é necessário cultivar o Jardim". Afinal, alguém tem de trabalhar enquanto outros marcham.

Denilson Cicote é o @deci_cote, que fala de "humor e política na medida certa e às vezes na medida errada, já que o homem é a medida de todas as coisas."

(Notas da Velvet: post publicado originalmente no blog Verbo e Paixão e 
Ilustração: "Carnaval nas montanhas", de Paul Klee)

Comentários

  1. Estamos em ponto da história da humanidade em que ninguém mais consegue disfarçar o que tem dentro de si! A safadeza, a crueldade e o descalabro finalmente sai do ostracismo e mostra sua cara medonha pro mundo!

    Beijão

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  2. CARO DENIS

    AQUI NESTE BRASIL O QUE ESTÁ VALENDO É O OBA OBA DOS CINCO MINUTOS DE GLÓRIA ENQUANTO O RESTO CARREGA O PIANO!!!!

    Marisa Cruz

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  3. Verdade Marisa e Marcia.

    São tempos bicudos, como se costumava dizer. As vezes leio que o povão na verdade nem se interessa por questões de moralidade, e isso doi por que eles são os principais prejudicados.

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  4. O que temo é que este excesso de permissividade jogue o país nos braços de uma moralismo anacrônico e discriminatório.

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  5. A Marcinha tem razão... de um extremo a outro, e pior que nem pode ser por puro pessimismo. Por má intenção do outro extremo, mesmo. A tal da moderação é algo que falta-nos, em quase tudo....

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  6. Leitura perfeita sobre os valores que a sociedade é induzida a rejeitar e quais alternativas são oferecidas para preencher o espaço que se esvazia.
    São ofertas que degradam e enfraquecem o corpo, a mente e o espírito. É esse o propósito, assim fica mais fácil dominar as pessoas e, por conseguinte, patrimônio e riquezas.
    Precisamos agregar os que resistem para reverter esse processo que está num estágio bem avançado por omissão ou conivência das lideranças das principais instituições do país.

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  7. "ervoafetivos" - genial! O que vem pela frente? Síntese certamente não é. O trem dessa história descarrilhará num choque entre as minorias, uma terrível e danosa colisão dos direitos das minorias: um verdadeiro "big crunch"!

    Abraços sempre afetuosos.

    Fábio.

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