É DOMINGO - TRANSPARECER-SE O ENTENDIMENTO



Note-se e medite-se. Para mim mesmo, sou anônimo; o mais fundo de meus pensamentos não entende minhas palavras; só sabemos de nós mesmos com muita confusão.


Nela eu não reparara, olhava-a indiferente como gato ante estátua, como o belo é oblíquo. Não dessa feita. Porque ela não surgira apenas: desenhou-se e terna para mim. Além de linda - incomparável - a raridade da ave. Se cada uma pessoa é para outra-uma pessoa? Só ela me saltava aos olhos.

Fixe-se porém que ninha ou baga eu não disse, guardei-me de apreciação. Sou tímido. Vejo, sinto, penso, não minto. Me fecho. Eu, que não vou nem venho. Tenho a ilusão na mão. Nasci para cristão ou sábio, quisera ver. [...]

Nada eu lhe falara, afirmo, nem dele seria audiência. Só mesmo a mim: fortíssimo aquele sobredito meu conceito e, que era uma ocasião interna.

Mas, feito um achado oracular, ele contracunhando-o, agora, pois. Já a tinha em valia; estava-se no coincidir. Onde há uma borboleta, está pronta a paisagem? Tácito, de lado não me entortei, como o monge se encapuza. rebebi, tinidamente. Tomei posição.

Daí, dados os dias, eu amava-a - sem temor ao termo. À boa fé: mais vale quem a amar madruga, do que quem outro verbo conjuga... Do que de novo fiz meu silêncio. Foi havendo amor. entre mim tenho que aqui rir-me-ão, de no jogo omisso, constante timidejante, calando-me de demonstrações. [...]

De dom, viera, vinha, veio-me, até mim. Da vida sem ideia nem começo, esmaltes de um mosaico, do mundo - obra anônima? Fique o escrito por não dito. Sós, estampilhamo-nos. Tem-se de a algum general render continência. Ei-la, alisa a tira da sandália, olha-se terna ao espelho, ei-nos. Conclua-se. Somos. Sou - ou transpareço-me? 
João Guimarães Rosa, in "Se eu seria personagem" - Tutameia 

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