CONFISSÕES DAS LETRAS: ESCREVER, ARTE SEVERA



Hoje, 25 de julho, é Dia do Escritor. Tem dia para tudo, mesmo, nessa vida. 

Qualquer um que escreva, é escritor? Ou só aquele que é editado, que publica - e vende - é assim reconhecido? É bem verdade que ser escritor é a única profissão em que não se é ridicularizado por não ganhar nem um centavo com ela, como sentenciou Jules Renard. Pode-se morrer pobre, e ainda assim ter um baita orgulho. Não é um emprego, então, já que escrever, ao menos no meu caso, não dá dinheiro algum. É um ofício severo. Mas é antes, um luxo e uma necessidade. É um alento. Um porto seguro, sempre.

Fernando Pessoa disse que escrever é esquecer. É fácil concordar com ele, pois, afinal, trata-se de ninguém menos que Fernando Pessoa, um gênio. Pesa ainda na balança o que ele próprio disse em outro de seus mais antológicos poemas: "O poeta é um fingidor / Finge tão completamente / Que chega a fingir que é dor / A dor que deveras sente".

Minha formação é no magistério (História e Letras) e apesar de nunca ter atuado profissionalmente em salas de aula, algum traço disso deve residir em mim: sempre incentivo as pessoas a escrever. Há uma grande resistência ao ato de escrever que não compreendo. A maioria teme a escrita. Alguns dizem: "não tenho talento". Eu respondo: como sabe, se não escreve? Você pensa? Para escrever, ensinou-me Oscar Wilde, "só existem duas regras: ter alguma coisa a dizer e dizê-lo".

Não se trata de tornar-se um escritor de sucesso estilo vitrine de livraria ou lista dos 10 mais. Não falo da pretensão de tornar-se mestre na análise política (que é o que mais gostamos, vamos falar a verdade, apesar dos poemas e que tais no blog), como tantos que todos conhecemos, e cada um tem a sua preferência. Se digo "escrevam", é apenas para transformar em letras o pensamento. Ou o sentimento, em outra hipótese. Ou ainda ambos, fórmula que por sinal costuma render bons escritos, provavelmente os melhores.

Todo o processo da escrita deve ser permeado de prazer, e sem dúvida, o prazer começa no hábito da leitura. É um ciclo, e ele não se fecha nisso: quando descobrimos que alguém sentiu prazer ao ler o que escrevemos, é muito bom! O que escrevemos é um reflexo do que pensamos, do modo como vemos o mundo e do que extraímos em reflexões. Da opinião que temos sobre o que somos, em essência, e da coragem em expor tudo isso. Quando escrevemos, legamos ao leitor uma parte importante dessa essência, dividimo-nos por assim dizer, com esse. Proust disse que para escrever uma boa história não é preciso inventar nada pois o bom escritor já as tem dentro de si, basta saber traduzir.

Para escrever há que ler, sempre. Outro escritor, Jorge Luis Borges, sobre a mesma arte, afirmou que "chega-se a ser grande por aquilo que se lê, não por aquilo que se escreve". Ler sempre, é fundamental! Você homenageia o escritor lendo-o. E se torna grande. Ler é mais generoso do que escrever. 

Viver exclusivamente da escrita não é fácil. E outra vez se trata da arte de ser publicado. Falo da redação do dia-a-dia, porque há dias em que nada vem. Essa que vos fala, há dias, aliás, há um bom período em que nada vem, e o que vem não sobrevive ao "delete" do teclado, pela autocrítica que, por sua vez, jamais falta. Realmente, não é possível afirmar que é uma empreitada fácil. Naquelas ocasiões, o pensamento simplesmente se recusa a ser ordenado sistematicamente a ponto de traduzir-se em letras. 

Ser autoral, escrever por e para si mesmo, é bem mais difícil do que fazer isso por outro. Nunca tive dificuldades em fazer trabalho sob encomenda [Ghost Writer é o nome importado e bem mais divertido para redator]. Por mais responsabilidade com pesquisa, fundamento e linguagem que represente escrever algo que levará a assinatura de outra pessoa, ao mesmo tempo e com aparente incoerência é muito mais fácil colocar palavras na boca do outro do que desnudar seu próprio pensamento. Expor-se ao julgamento daqueles que você deseja alcançar, com sua escrita, a admiração. Não é fácil.

No fundo, o que chamam "bloqueio" não passa disso: o pensamento se recusa a ver-se dividido, espalhado, desnudado, à mercê do escrutínio, do julgamento dos outros. O meu anda exatamente assim. E é frustrante você desejar ter aquelas letras interessantes para dividir com algumas pessoas, e simplesmente o seu pensamento ordenar que você se cale. Dedos mudos, que obedecem sem oferecer grande resistência. O pensamento é mais poderoso. E então, apenas que me resta a fazer... é me calar. 


"A palavra do ser humano é o material mais durável. 
Quando um poeta encarna sua sensação mais fugaz com palavras adequadas, 
ela vive nestas por milênios e volta a despertar em todo leitor sensível." 
Schopenhauer, o Arthur em Sobre o Ofício do Escritor


Comentários

  1. Como escreve bonito essa minha amiga, excelente artigo, parabéns !!

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  2. Mercia Neves25/07/12, 19:20

    Palavras escritas sempre em perfeita sintonia, com as que delas são suas, e há, naquelas outras palavras, qualquer identificação..."Porque a boca fala o que está cheia o coração"
    Lindo texto, Regina.Perfeitas.

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  3. Bravô! (de aplaudir em cena aberta...)

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  4. Regina,

    Cheguei aqui por meio do programa Saia Justa.
    Ouvir Maria Fernanda ler um poema teu "eriçou pelos e memórias" como diz uma amiga minha, mas ler "Confissões das Letras" fez pulsar dentro de mim o irresistível desejo de continuar brincando com as palavras.Obrigada!

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