DIÁLOGO COM A INDISCRIÇÃO



Discrição é, como todo valor, impalpável, porém facilmente perceptível nas relações diárias. Não é um daqueles valores que parecem mais com elogio do que como forma de comportamento, o que não diminui sua necessidade no cotidiano, porque a falta dela é imediatamente notada.

Espaçosa é a superfície dos aspectos possíveis para discorrer sobre qualquer tema, hoje em dia, sob a luz do entendimento que cada um jogue sobre ele.  A indiscrição, etimologicamente, além de ser óbvio oposto da discrição, é a abelhudice, a curiosidade atrevida sem limite, a intrometer-se onde não é chamado, portanto, não é benvindo. Expande-se o sentido referindo-se a um conjunto de ações de comportamento inadequado, inconveniente.

Fora da definição das palavras, a indiscrição vagueia numa ampla esfera que abarca muito além da tagarelice, da intromissão. É imaturidade, insensatez, imprudência. No livro “A Ilha do Dia Anterior”, Umberto Eco descreve uma situação onde o silêncio couto é cofre para a sensatez, evitando a imprudência depois de um revés, uma derrota, o que, em personalidades instáveis não é surpresa causar ódio. A confiança exacerbada na própria argúcia, uma visão superestimada dela, gera tais inconvenientes nessa situação. Saber sair de cena, que é chegado o momento de manter-se restrito à sua própria vida, é característico do portar-se com maturidade. Manter falsamente uma situação de desengano, é também autoengano.

Em manifestação de profundo desrespeito, uma pessoa absolutamente ignorante, e conforme a superestimação de si mesmo, arrogante e egoísta, a indiscrição alcança a traição. E chega à maldade. É incompatível com a decência e o respeito às relações travadas entre duas pessoas que uma delas passe à indiscrição de narrar para terceiros, quartos, décimos, fatos e acontecidos que dever-se-iam permanecer na história daquela intimidade, apenas para obter satisfação pessoal com tal exposição. Chega a ser abjeto o comportamento vil de trair a confiança que houve, em determinado momento, época e/ou situação. Por isso, vê-se em quem assim opta por atuar, o traço ignóbil da maldade. 

A indiscrição motivada pela maldade pura seria um tipo de segundo passo, logo após a curiosidade, passando a uma ação efetiva, após “enjoar” de exercer vigilância quase muda a trafegar pelas sombras, escamoteando-se sorrateiramente, como voyeur das vidas que não lhe dizem respeito? Sendo  um sinal de avanço desse comportamento obsessivo, pressupõe-se que, por sua vez, ao evoluir, romperá a fronteira da sanidade – que até então pode manter-se disfarçada sob o véu da normalidade? 

Ao romper a fronteira da maldade, a pessoa que opta pela indiscrição anota um traço em sua existência, que pode não ser visível às primeiras impressões: extrai um enorme prazer mórbido em incomodar, interferir, inferir, abusar de outro(s). Ao revelar-se, emerge junto ao com seu comportamento essa “patia”, que estava remida, onde quer que encontre assento em mente torpe, um tipo qualquer de psicose.

Convém lembrar que alguém, por ter sua vida perturbada pela indiscrição de outrem, tenha compreendido o que bem cunhou Sêneca: “se queres que o outro se cale, cala-o tu mesmo.” Ou como disse Nelson Rodrigues, “convém não facilitar com os bons”, porque há neles a verdade íntegra, que os move. 

As consequências maléficas causadas por quem não tem limites pode não ser algo tão simples como aparentemente seja cometer uma “pequena” indiscrição. Pode ser indício de alguém altamente perigoso. Alex Rider demonstra.

Comentários

  1. Realmente não é aconselhável mexer com que estar quieto..

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    1. Não é mesmo, nem comigo, nem com os meus... né, Marcinha? Justo eu que fico sempre na minha,seguro tudo caladinha, não vou atrás de nada de seu ninguém. Mas ser indelicado cometendo indiscrições afins, não é fato isolado. Acompanha um pacote de comportamento doentio, e toda obsessão é perigosa. Sem esquecer que há escórias e escórias. E algumas ficam com o rastro para sempre, é só seguir.

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  2. Simplesmente excelente texto, observação minuciosa, criativo fácil de acompanhar ,intuitivo em sua finalização .
    Cativante , desde o começo até o fim ! Como sempre a poesia contida nas linhas deste blog capturam minha imaginação e acendem em mim o amor do Espirito literário . Obrigado por compartilhar conosco tão bela rara virtude! Obrigado

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