PELA AMÉRICA LATINA: LLORO POR TI



LLORO POR TI, ARGENTINA
Por Antônio Figueiredo

Um misto de encantamento e espanto invade qualquer pessoa que encare pela primeira vez a “sempre bela” Buenos Aires. Impossível deixar de se apaixonar pelos encantos dessa “mulher madura, sedutora e provocantemente francesa” incrustada em plena América.

Uma rápida pesquisa da História esclarece que o apogeu argentino a partir dos anos 40 deveu-se à decisão do país em “manter-se neutro” durante a II Guerra Mundial, apesar de um relacionamento comercial forte e tradicional com a Inglaterra. Durante a guerra os portos argentinos foram franqueados a todas as nações, incluída a Alemanha, que muito se beneficiou dessa neutralidade e essa multilateralidade propiciada ao comércio argentino fez o país desenvolver-se e enriquecer rapidamente em um período em que a grande maioria das nações do mundo economizava e investia no “esforço de guerra”.

Minha fascinação platônica e idealizada pela “dama” estimulava minha imaginação juvenil, mais que a própria Paris, já lá atrás nos anos 50/60 e cada dia mais robusto era esse desejo de conhecimento. A Argentina de então era omnipresente no Brasil, fosse pelos tangos de Gardel na voz de Nelson Gonçalves, pelo futebol aguerrido e provocador de Ratin no Pacaembu lotado humilhando a “canarinho de Pelé” e principalmente pelo charme e luxo europeus que se derramavam pelas noites de Buenos Aires mostradas nas revistas, então de impensável usufruto para a grande maioria da emergente classe média “tupiniquim”, fruto da economia mais sólida e rica de toda a América Latina. Passaram-se 50 anos e mesmo assim, surpreendentemente, a visão da “9 de Julio dos meus sonhos” pareceu-me intocada pelo tempo, como se tantas mudanças dramáticas na vida do povo argentino não tivessem acontecido e a esse primeiro encontro a “dama Buenos Aires” apresentou-se linda, iluminada e deslumbrante. Suas rugas,  sempre as escondeu e ainda as esconde até hoje muito bem, mas não o rosto apreensivo do “argentino comum” de hoje, cujo “orgulho porteño” já não se impõe mais arrogante aos “macaquitos brasileños” de outrora, meros exportadores de café, “fregueses” no futebol e culturalmente toscos. 

De nada me valeu “meu” espanhol na Argentina, pois ao pronunciar “caie” e não “caje” Florida como se estivesse cantando um tango, rapidamente “entregou” minha origem e bloqueou o curso espontâneo de confidências sobre os atuais problemas “intimamente argentinos”. Ainda que o baque na autoestima do povo seja muito grande, este ainda mantém seu “orgulho portenho” ao não comentar suas mazelas, principalmente com o rival de um “país rico e próspero” no seu entender, ainda que seus problemas mais graves saltem aos olhos de qualquer observador minimamente atento.

Ao desembarcar em Ezeiza já topei com seu maior problema atual: A “fome por divisa forte”. Por isso fui unanimemente aconselhado a trocar meus dólares “no mercado negro” com a garantia de conseguir pelo menos 30% a mais de Pesos na Calle Florida, o paraíso das compras de sempre, mormente de importados agora escassos e a preços nivelados aos do Brasil pelas severas restrições às importações impostas pelo Governo Cristina Fernandez. O que para o “turista consumista” é decepcionante, para o consumidor argentino é inacessível. Outro indicador da fraqueza da moeda é a defasagem entre “inflação oficial” e a “das prateleiras”, estimada hoje entre 15 a 20 pontos. O custo de vida está muito elevado até mesmo para quem viaja com dólares e na véspera de Natal a Calle Florida estava às moscas. Comentavam alguns populares argentinos não entender as medidas radicais de Cristina após sua reeleição, visto que durante o mandato do Governo Nestor Kirchner complementado por ela tudo corria muito bem. De imediato me veio à memória o sentimento geral do “povão brasileiro” em 1998 depois da reeleição de FHC ao enfrentar a desvalorização cambial de quase 30%.

Ainda nas ruas, em algum lugar que não me vem à memória agora, talvez em um café, encontrei um senhor aposentado de classe média já na faixa dos 80/85 anos a quem indaguei o porquê de uma mudança tão radical na Argentina pós-guerra.  Respondeu-me que “o 1º Governo Perón em 1946 criou uma legislação trabalhista excessivamente protecionista somada a programas sociais para os “descamisados” e desgraçadamente para a Argentina e em benefício próprio criou sindicatos, que eram a base de sua sustentação e popularidade, mais fortes que os Partidos Políticos”. Um sintoma dessa crise social e política é que na semana de Natal ocorreram saques na periferia de Buenos Aires, Rosário e Bariloche e Governo e CGT, ambos “peronistas”, responsabilizavam-se mutuamente. Por curiosidade consultei a biografia de Juan Domingo Perón na Wikipédia e ali estavam todas as explicações para o passado e respostas para o futuro presente da Argentina, incluída a real importância de Evita Duarte, a “Santa Evita Perón”, a quem Perón deveu tudo.

A desorganização do setor produtivo agropastoril, outro problema, regalou minha gula e me permitiu comer pacotes diários de enormes e deliciosas cerejas argentinas pelas ruas da Recoleta a um módico preço de R$ 7 o quilo, (aqui em Salvador as “pequenas chilenas” chegaram a custar entre R$ 20 e R$ 70 o quilo), fresquíssimas e compradas diretamente de produtores rurais, que empilhavam centenas de caixas pelas esquinas. Comentavam-me que graças à imposição de “impostos de exportação”, lhes era mais vantajoso vendê-las nas ruas ou até mesmo jogá-las no lixo. Numa viagem de ônibus de Buenos Aires a La Plata (70 km) sobre as imensas pastagens que margeavam a rodovia não se avistava uma única cabeça de gado e durante o almoço com amigos platenses numa “churrascaria tipicamente argentina” fomos comer “carne uruguaia”, de excelência comparável à “quase extinta carne argentina”. No passado La Plata sediava um enorme complexo frigorifico destinado exclusivamente à exportação de carne bovina. As brigas da Presidente com os pequenos e médios agricultores e criadores têm ocupado as manchetes da imprensa argentina e internacional.

Falar dos problemas metropolitanos das cidades de Buenos Aires e La Plata é “copiar e colar” o que se passa nas principais metrópoles brasileiras. Favelização, tráfico de drogas e violência urbana são problemas comuns “do lado de cá da Cordilheira”.

Eximo-me de emitir juízo de valor sobre a situação de cada um dos países visitados, pois “em nenhum habito e nem tampouco vivo suas realidades”. Objetivei tão somente capturar do espírito de cada povo, suas expectativas e anseios, porém, uma coisa restou evidente na Argentina: sua indústria sucateada; sua atividade agrícola em processo de integral desestruturação, exceto quanto à soja, uma das poucas fontes de divisa genuinamente argentina, porém nas mãos das MEGA TRADERS; o MERCOSUL e a Integração do Cone Sul derrapante e frustrante em todos os aspectos; e principalmente os “mercados externos fechados” em face da moratória unilateral da dívida trazem à população uma intranquilidade e desesperança jamais antes experimentada. A “Ley de Médios” tão polêmica, da maioria das opiniões extraí que, deriva do desejo do Governo de que a “Argentina Real não saiba “o quanto vai mal” a Argentina Oficial” e nessas circunstâncias o “tema Malvinas” sempre volta à baila numa tentativa desesperada de “união nacional suprapartidária” e toda Argentina treme lembrando o passado. Diferente do Brasil, Chile e Peru onde os Governos Ditatoriais preparam o futuro, na Argentina preparou-se a volta “ao passado”.

Foi somente lá que percebi um sentimento latente de inferioridade do cidadão comum em relação ao “padrão de vida do brasileiro”, pois a “tradicional rivalidade” Brasil X Argentina que sempre os favoreceu e foi a mola propulsora para a obtenção de objetivos hegemônicos por ambos os países, fossem na Economia, nos Esportes, nos costumes, artes e música, ao mesmo tempo em que era um desafio mútuo, fez crescer a integração, o intercâmbio e até mesmo a corrente imigratória entre ambos. Dentro da América do Sul não há dois povos, que se conheçam tanto quanto o brasileiro e o argentino e foi a partir da “guinada geopolítica de Golbery” que se desequilibrou esse jogo e nos colocou em uma posição de liderança e supremacia na América do Sul, o que fez o Brasil avançar e superar de longe a Argentina, por sua extensão territorial, recursos naturais e dinamismo econômico, realidade essa reconhecida por eles, mas cujo fosso se alarga e aprofunda cada vez mais. Ver hoje o antigo “rival de joelhos e impotente” leva a uma triste constatação, mas que deve levar a uma profunda reflexão: perdemos nossa grande referência hemisférica para tudo. Resta uma pergunta: quanto progresso perdemos ambos e toda a América do Sul pelo fim desta “rivalidade”?

Antônio Figueiredo é o @ToniFigo1945, mas para os velhos de guerra das trincheiras virtuais, ainda é o Chumbo Grosso.

(A photo que ilustra o post é do acervo de viagem do autor)
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Comentários

  1. Ainda não havia lido um texto longo seu, chefe, mas já havia adivinhado a boa verve pelos 140 caracteres contumazes. Depois de lê-lo, cheguei à conclusão de que não preciso mais ir a Buenos Aires, já senti a brisa fria, os cheiros das ruas, os olhares de despeito... Mas isso são apenas detalhes. As diferenças e igualdades entre nossos dois países ficam mais explícitos na análise de um "connaisseur" de nossas mazelas comuns e das particulares de cada lado da fronteira.

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  2. Juro que sempre que leio sobre a derrocada argentina fico com um medo de que sejamos ela amanhã...
    No mais, eu chorro por ti, Argentina

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  3. Zinha Bergamin28/01/13, 19:52

    Engraçado,amigo, mas senti uma dorzinha no coração, uma magoazinha lá no fundão do coração no final de seu excelente "diário de viajem" qdo vc diz:

    " Ver hoje o antigo “rival de joelhos e impotente” leva a uma triste constatação, mas que deve levar a uma profunda reflexão: perdemos nossa grande referência hemisférica para tudo. Resta uma pergunta: quanto progresso perdemos ambos e toda a América do Sul pelo fim desta “rivalidade”?"

    Sabe que me doeu de verdade? É duro vc perceber que seu "rival" está lá em baixo,mas talvez seja só por isso:ele está de joelhos,enquanto AINDA estamos de pé... Mas... até quando?

    Como bem escreveu minha "Maninha"Márcia, com o espírito retrógrado,vulgo socialista dessa corja que nos governa,não estaremos lá amanhã,ao lado de nossos rivais que hoje estão de joelhos?
    Magoeeei...rsrs Juro que senti um arrepio bem gelado na espinha...

    Zinha

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  4. Parabéns pelo excelente texto. Tenho uma profunda admiração pelos "hermanos" e lamento a triste situação que enfrentam. O argentino é um povo aguerrido e certamente superará esse momento

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  5. Gracias pelo texto. O infortúnios de nossos hermanos são nossos também. Uma Argentina forte é uma América Ltina forte. Rezo para que seja somente uma fase que passará em breve. Nós também já passamos por eperimentalismos populistas e neoliberais. Optamos pela estabilidade. É bem melhor. Mas mudando para assunto sério, eles tem Messi, já pesou se em 2014...melhor deixar pra lá.
    abração

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