BRASIL: UM CALVÁRIO POR DIA

"Um dia mais. Outro dia, outro destino, esta estrada sem-fim para o Calvário.” 
(Jean Valjean, Les Misérables)


(O Calvário, de Josefa de Óbidos)

Gólgota, a colina onde foi crucificado Jesus Cristo, é a transliteração de Calvário, do aramaico. O túmulo onde permaneceu, até a Ressurreição, segundo consta, também ficaria em suas redondezas. Mas representa, na verdade, mais que o Monte. É comum tratá-lo como o caminho percorrido até o cume onde a sentença de morte foi executada. O simbolismo de "calvário" é extenso mas nada se compara à ideia de chegar à redenção pelo sofrimento. É a essência mística do calvário, que também ultrapassa crenças, simbolismos e celebrações religiosas. Toda a gente o utiliza para referir-se a um caminho de sofrimento, expiação.

Crêem os cristãos que Jesus entregou-se à prisão, ao julgamento e à morte na Cruz porque quis: rendeu-se voluntariamente, em cumprimento dos desígnios de Deus para a salvação dos homens. E sofreu "o diabo" no caminho até o cume do Calvário. Diz-se que todos têm uma missão na vida, e tal  sentido, alegoricamente, estende-se a entidades e nações. Diferente de Cristo, que conhecia sua missão e preparou-se por toda a sua vida para cumpri-la no instante derradeiro, a nação brasileira vive um ciclo eterno de Calvário sem o objetivo final: pena um longo caminho sem atingir nem o local nem o instante da morte, em sofrimento eterno.

Em tudo o que há, principalmente na mais recente página de sua história escrita pelo atual governo em suas três encarnações, o Brasil tropeça, cai, é açoitado, violado, violentado, agredido, e sangra. Do aparelhamento da máquina pública ao desmantelamento  partidarizado das estatais, o mais notório deles, o da Petrobrás. Dos gargalos da infra-estrutura precária, incapaz de atender as demandas de produção, até a receita de Miojo em redação bem avaliada do ENEM que concede acesso à universidades. Da insegurança pública terceirizada para o crime organizado, tráfico de drogas e matadores pé-de-chinelo até o Sistema Único de Saúde, caminho mais rápido para o cemitério que há. Da escravização do voto das classes C, D e E até as benesses estatais aos seus próprios financiadores da classe A, via BNDES. E então tem-se ainda, sublime e soberana, a maior provedora das desgraças gerais do país, ei-la: a corrupção, esta sim a representação perfeita do chicote que desce no lombo dos cidadãos cumpridores de todas as leis. Soberba, entre nós desfila, orgulhosa, com a sua madrasta: a impunidade.

Das práticas às teorias, da deterioração moral das Instituições democráticas, o enfraquecimento sistemático dos outros Poderes da República até a subserviência da imprensa,  temos, aqui sim, um quadro de ações e reações que é consciente e voluntário. É certo que, enquanto por um lado, o governo habilmente - por meios nem sempre morais - desabilitou as reações de oposição, por outro, os que detém a prerrogativa de opositores por preguiça e incompetência, omitem-se de cumprir sua "missão". 

E é tudo uma expiação só, de onde alguns poucos conseguem agarrar-se, via da fé, à esperanças, e outros, talvez por mais açoitados que são sem cegarem-se totalmente, cínica e realisticamente vêem que o calvário brasileiro lhes parece, pelo caminho cada vez mais penoso, pela cruz cada vez mais pesada, a cada dia que passa, mais difícil de atingir. Porque a morte seria até desejável, acaso houvesse, ao final dos sacrifícios, uma ressurreição à vista.

Comentários

  1. Ótimos seus posts. Acho seu pensamento muito apropriado.

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