O VICE-REINO DO BRASIL



“Porqué Brasil és tan vasto ¿” perguntou-me um “chola” peruano e a pergunta como uma bolinha de um jogo de “pinball” começou a bater nas paredes limítrofes dos nossos livros didáticos da História do Brasil e tilintando vez por outra nos poucos marcos do tempo, que tocou aos eventos correspondentes ensinados fazendo crescer uma antiga indagação. Por que jamais se concretizou o Vice Reinado do Brasil Espanhol?

O Tratado de Tordesilhas celebrado entre o Reino de Portugal e o recém-formado Reino da Espanha, (Castela e Aragão) em 1494 foi intermediado pelo papa espanhol Alexandre VI, (Roderico Borgia, uma biografia de leitura obrigatória, para entender aqueles tempos) e que dividiu as terras "descobertas e por descobrir" do Mundo Antigo entre ambas as Coroas, conciliatoriamente à pretensão de exclusividade espanhola pela descoberta do Novo Mundo e os interesses da Ordem de Cristo, (sucessora da Ordem dos Templários e considerada o banco da ordem) financiadora do desenvolvimento tecnológico náutico e exploratório portugueses, (Infante Afonso Henriques – 1394-1460). 

O tratado demarcava um meridiano a 370 léguas a oeste do Arquipélago de Cabo Verde, que atingia as ilhas das Caraíbas descobertas por Colombo, (Isla de Cipango e Isla de Antílla). Os territórios a leste deste meridiano pertenceriam a Portugal e os territórios a oeste, à Espanha. O tratado foi ratificado pela Espanha em 2 de junho e por Portugal em 5 de setembro de 1494, aquinhoando à Espanha praticamente dois terços do território do Brasil, aqui passando pela atual Belém do Pará (PA) ao norte e Laguna (SC) ao sul. Uma das razões das múltiplas incursões piratas e tentativas de colonização em terras espanholas e portuguesas do Novo Mundo por França, Inglaterra e Holanda é que o tratado foi por elas denunciado, pois além de contestarem a autoridade do papa, já começava a cair por terra o “mito medieval” de que uma Bula Papal teria o direito divino de “decidir os destinos de terras e povos não cristianizados”, como acontecia desde os tempos de Constantino.

Apesar do tratado, o navegador e explorador espanhol Vicente Yáñez Pinzón, comandante da caravela Niña da Armada de Colombo em 1492, “descobriu” a costa do Brasil no comando de uma esquadra de quatro caravelas junto de um grande promontório, o cabo de Santo Agostinho, ao qual chamou de Santa María de la Consolación e no qual construiu um forte e tomou posse para a Espanha em 20 de janeiro de 1500. As ruínas do forte ainda ali se encontram soterradas sob as ruínas de um forte holandês construído sobre suas fundações.

Para fazer valer seus direitos no tratado em 1541, por ordem de Francisco Pizarro, (Conquistador do Peru), pouco antes de seu assassinato e com a missão de buscar indícios de existência de metais preciosos, Francisco de Orellana, (um provável sobrinho de Pizzaro), desceu o Rio Napo desde o Equador até o Yucaiali próximo a Iquito no Peru, que a partir do território denominou-se Solimões onde passou e tocou os Rio de la Trinidad ( Rio Juruá) e chegou à foz do Rio Negro, (nome dado por Orellana), em 03 de junho de 1542 e, por conseguinte ao atual Amazonas. Na descida para o oceano, que atingiu em 26 de agosto de 1542 ocorreu sua célebre luta contra as legendárias Amazonas na foz do Rio Trombetas.

Como é sabido a Rainha Isabel, para financiar a empreitada de Colombo ao Novo Mundo, teve que penhorar suas joias, pois decorrente da “guerra de unificação” a Espanha era um país destruído e pobre de recursos e assim a grande maioria das expedições exploratórias e de descobrimento espanholas iniciais sempre receberam algum tipo de financiamento imediatista de ricos comerciantes interessados no resultado dos saques nos territórios descobertos. Assim aconteceu com Pizzarro na descoberta do Peru e isso justifica a ação predatória e a tônica de assassinatos praticados por Hernan Cortez contra Montezuma (México), por Pizzarro contra Ataualpa (Peru) e Francisco Orellana no Equador, pois havia que “pagar” os financiadores. No caso de Cortez, dele próprio, que além de tudo lutava pelo “próprio pescoço” por ter se amotinado contra o então Governador de Cuba de onde partira mesmo desautorizado. 

A verdade é que as áreas fronteiriças do Brasil com Bolívia, Peru, Colômbia e Venezuela nunca despertaram o interesse econômico para a Espanha, pelos altíssimos custos de instalação de núcleos de colonização sem atrativos econômico financeiro imediato em uma floresta amazônica, quase impenetrável a atravessar e conquistar e de altíssimo risco na manutenção da conquista.Isto fica implícito na sequência de criação de Vice Reinados nas diferentes conquistas espanholas, (12 milhões km2), uma forma de organização administrativa descentralizada introduzida sob a Dinastia dos Habsburgos (Sacro Império Romano)(1516-1700), revelou-se historicamente e na prática muito mais competente que o modelo português em territórios de riqueza comprovada. 

O Vice Reinado de Nova Espanha (1535) - Capital México - (Oeste EUA, México e parte da América Central, Antilhas e Venezuela), motivado pelo ouro da cultura asteca; Vice Reinado de Peru (1543), que vale ressaltar criado após a visita de Orellana ao Amazonas - Capital Lima – (América do Sul, exceto Venezuela e parte da América Central), motivado pelo ouro da cultura inca e depois pela mineração de prata na Bolívia; Vice Reinado Nova Granada (1717) - Capital Bogotá – (Colômbia, Equador e Panamá e posterior inclusão do Vice Reinado do Peru (1739)), motivado pelo ouro e esmeraldas da Colômbia, prata do Equador e Panamá por sua posição logística estratégica de escoamento da riqueza e por fim o Vice Reinado do Rio da Prata (1776) – Capital Buenos Aires – (Bacia do Prata - Argentina, Uruguai e parte da Bolívia e Paraguai), que foi o único onde houve disputa territorial entre Portugal e Espanha pelo controle da Colônia de Sacramento, fundada por portugueses no Rio da Prata (1680), (próxima a Montevideu) e Povos das Missões no atual oeste gaúcho.

Ao contrário do Brasil, em que Portugal adotou o sistema de Capitanias Hereditárias nas quais muito pouco investiram seus donatários, mormente pela falta de recursos naturais exploráveis em curto prazo, com exceção do Pau Brasil, logo no começo a América Espanhola apresentou um considerável desenvolvimento urbano, com ruas planejadas por urbanistas da metrópole e inspiradas nos modelos do renascimento e isso constatamos no Chile, Peru, Equador e Colômbia durante nossa viagem. A riqueza imediata explorada durante os séculos XVI até XVII fez da Espanha uma potência hegemônica detentora de uma “temível Armada” rivalizando-se com a Francesa e a Inglesa, a quem chegou a ameaçar a supremacia e sobrevivência por volta de 1560, o que dá uma dimensão da riqueza extraída da América Espanhola em um período de 30 anos. Recomendo assistir ao filme A RAINHA VIRGEM (1998) com Cate Blanchet sobre Elizabeth I. Ao contrário, Portugal sempre foi “tutelado” pela Inglaterra.

Da nossa parte, foi a partir da União Ibérica (1580-1640) que começaram as Entradas e Bandeiras e a busca da riqueza mineral, (motivada pela ruína econômica da cultura do açúcar ocorrida com a invasão holandesa em Pernambuco, (1630/1654) e sua posterior expulsão, quando a cultura levada para o Caribe com preços mais competitivos e qualidade superior praticamente monopolizou o mercado europeu), começaram a se alargar as fronteiras brasileiras sobre terras espanholas. Nesse período o Tratado de Tordesilhas perdeu seu efeito e depois disso por um consentimento por omissão da Espanha. Outro fator do desinteresse espanhol comprova-se com a tardia descoberta de ouro no Brasil, (Minas Gerais - 1694) em território português e Mato Grosso (1718) e Goiás (1725) em território espanhol, época em que a Espanha já havia inundado o mundo com prata do Alto Peru. (atual Bolívia).

No início do sec. XIX esgotou-se o “modelo extrativista” luso-hispânico e com o fim da Dinastia dos Habsburgo na Espanha e a invasão napoleônica em Portugal iniciou-se o declínio do “Império Colonial Ibérico” e o nascimento do Brasil como Nação. Os livros 1808 e 1822 de Laurentino Gomes descrevem ricamente e em detalhes esse “Novo Brasil”. Ensina a História que são os “países hegemônicos” que a escrevem através de opções geopolíticas firmes e objetivas aos seus interesses nacionais e aos demais resta “lê-la e reclamar da competência alheia”. Nações vizinhas não são “amigas” originalmente, porque via de regra sua formação é cercada por conflitos territoriais limítrofes ou pelo total desconhecimento da realidade mútua. Isso só ocorre quando há o reconhecimento mútuo de pontos fortes e fracos e objetivos comuns ou complementares de sobrevivência exigem a integração de dois povos, que é quem faz a guerra, a paz e os negócios. 

A América do Sul tem historicamente feito do “extrativismo exportador” de seus recursos naturais, (agricultura incluída) a sua opção na busca do desenvolvimento e prosperidade e ao final ou em cada ciclo ou da oscilação do preço das “commodities” sempre está ao sabor da linha ondulatória do Mercado Internacional. Essa é uma discussão que se faz no Peru atualmente e que se deveria fazer no Brasil, que ano após ano torna-se mais dependente da Agricultura e da Mineração.

Quem sabe não seja a hora de fazer um “baile sul-americano e convidar os “vizinhos para a contradança”.

Antônio Figueiredo é o @ToniFigo1945, mas para os velhos de guerra das trincheiras virtuais, ainda é o Chumbo Grosso, agora, um especialista em América Latina.

Comentários

  1. Muito bom, também tenho essa preocupação quanto a nossa dependência na exportação de commodities, o que caracteriza nossa evolução medíocre depois de tantos anos! Continuamos sendo uma colônia que exporta minérios? Nossa indústria vive um momento complicado, nosso produtos industrializados, na média, são 30% mais caros que os principais concorrentes, pouca competitividade, carência de mão de obra qualificada e falta de investimentos em educação, nos torna mero exportadores de commodities! #vaivendo

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  2. Maravilhoso texto. Parabens!

    Nunca havia me atentado ao fato de que a floresta amazonica serviu de "barreira" a uma invasão espanhola.

    Faz todo o sentido!

    Só tenho uma trsiteza, "Porque os Holandeses não foram vencedores?"

    Obrigado pela aula!

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  3. Reler a história do Brasil é sempre uma oportunidade de se celebrar a colonização portuguesa. Afinal, ela, com seus erros e acertos conseguiu manter a unidade brasileira. Se somos do Oiapoqui ao Chuí uma só nação é graças aos Orleans e Bragança. Qualquer outra colonização teria fragmentado o país. E, querido Zé Carlos olhe para a África do Sul, Zimbaúbe, Nanibia, Botsuana(onde afrikaners criaram o regime mais segregacionista que houve), Ceilão, Nova Guiné Indonésia e até para o Suriname e se pergunte se você realmente queria a vitória holandesa...

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  4. opcao_zili05/03/13, 17:41

    Muito enriquecedor. Belo golpe da floresta amazônica nos espanhóis rsss Devem ter pensado que aqui só tinha floresta e eles precisavam de ouro,prata e pedras preciosas para pagar contas. rsss. Por isso, por meios escusos, tentam, todos,sem exceção, tomar nosso país na marra.

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  5. Zinha Bergamin (@Lelezinha_09)06/03/13, 17:27

    Mais uma aula gostosa,amigo, que nos reporta às lembranças dos bancos escolares!
    Cheguei até a me lembrar de cada professor e até de suas vozes! (professores de História,claro!)
    Valeu! Sempre vale muito ler seus "passeios" em todos os sentidos pela História das Américas!
    Bjs e Abçs!

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