PROGRESSISMO, NEOLIBERALISMO E OUTROS QUITUTES LATINOAMERICANOS



Por Antônio Figueiredo.

Para uma correta compreensão e desmistificação do tema é essencial que se conceitue adequadamente o que é LIBERALISMO, NEOLIBERALISMO e PROGRESSISMO, filosoficamente falando. Hoje é comum, no Brasil, associar-se a direita ao Neoliberalismo e a esquerda ao Progressismo, o que dissecaremos abaixo através do esclarecimento nas bases históricas.

O declínio do Liberalismo Clássico remonta ao final do Sec. XIX, mas que com a quebra da Bolsa de Nova York em 1929, e a subsequente Grande Depressão acabou-se estrepitosamente e com isso ganharam força as teorias de intervenção do Estado na Economia, notadamente as ideias de J. M. Keynes, aplicadas, quase simultaneamente em planos de “reconstrução nacional” tanto no New Deal do americano Franklin D. Roosevelt, como pelo governo Nacional Socialista da Alemanha de Hitler entre 1934 e 37, pois enquanto o resto do mundo se afundava ainda mais na recessão, conseguiu-se acabar com o desemprego sem provocar inflação, ainda que adotando um déficit orçamentário de até 5% do PIB alemão. Estas políticas foram incorporadas à legislação alemã no final de 1932 influenciadas pelo New Deal de Roosevelt.

O primeiro governo democrático contemporâneo a se inspirar os princípios do Neoliberalismo foi o de Margaret Thatcher na Inglaterra, a partir de 1980, (precedida por Pinochet e seus “Chicago Boys”, no Chile, na década de 70) já com uma visão revisada do “Neoliberalismo Keynesiano”. A solução proposta à crise seria a redução gradativa do poder do Estado, (Estado Mínimo), com uma diminuição generalizada de tributos, a privatização das empresas estatais e a redução do poder intervencionista do Estado. A ideologia “Social Democrata”, em contraposição ao “Socialismo Soviético”, contribuiu e escreveu decisivamente a História do Sec. XX decorrente da criação do "Estado do Bem Estar Social", (Welfare State), após a II Guerra Mundial. Entretanto, a partir da década de 1980 começou a perder fôlego político, o que acabou resultando em uma reformulação ideológica a partir das práticas neoliberais dos governos da Inglaterra (Thatcher - Conservadora), USA (Reagan – Republicano Conservador), Espanha (Felipe González – Socialista Operário), França (François Mitterrand - Socialista), Itália (Bettino Craxi - Socialista), e Grécia (Geórgios Papandréu – Socialista).

Já o Progressismo se opõe ao Neoliberalismo em parte e mais fortemente ao Conservadorismo, (Práticas Políticas baseadas na “tradição” (reacionárias) e hostil às inovações) e também extremo oposto às políticas Comunistas, Socialistas e da Democracia Social históricas e é por esse contraste, que são definidas como “historicamente progressistas” muitas forças políticas implantadas “mais à esquerda”. Contudo, hoje, são consideradas tendências progressistas no mundo em geral as que visam a Terceira Via,  pois ao longo dos anos, o Progressismo tornou-se sinônimo de Socialismo Liberal e embora nascido de diferentes origens, (Reformismo), sua tendência é a de combinar o pensamento liberal e da propriedade privada, com uma rede de segurança social idealizado pela Social Democracia. Dentro das "Internacionais Liberais Progressistas” atuais estão representantes do Liberalismo Social em favor do Livre Mercado e também defensores de Reformas Políticas e Sociais. 

A terceira via é uma corrente dentro da ideologia Social Democrata em voga a partir de 1990 e tem sua origem no Governo Trabalhista da Austrália ao final dos anos 80, consolidando-se pelas vitórias eleitorais de Bill Clinton (Democrata - USA) e de Tony Blair (Trabalhista - New Labour - Grã Bretanha) numa tentativa de reconciliar a Direita e a Esquerda, através de uma política econômica conservadora e uma política social progressista. Ainda que à primeira vista pareça ser uma corrente conciliatória entre o Capitalismo de Livre Mercado e o Socialismo Democrático, os defensores da terceira via veem-na “um passo à frente” como uma alternativa de "Centrismo Radical", que defende o "Estado Necessário", (nem a interferência máxima do Socialismo e nem a mínima do Neoliberalismo), focando a “Responsabilidade do Governo”, principalmente, aos aspectos do Equilíbrio Fiscal, no Combate à Miséria, na adoção de uma Carga Tributária Proporcional à Renda e à “prestação de efetivos serviços de qualidade” na Segurança, Saúde, Educação e Previdência.

Na América Latina, o processo deu-se de maneira diferente, uma vez que as Políticas Neoliberais apareceram associadas à questão da renegociação da dívida externa do continente, como se fosse um problema de Política Econômica. Apenas no Chile e no Brasil, que a proposta da Terceira Via teve grande repercussão, sendo que no Chile a partir da consolidação da aliança entre o Partido Socialista e o Partido Democrata Cristão durante o governo de Ricardo Lagos (1990-1996) e no Brasil a partir da consolidação do PSDB e da participação ativa do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) na formulação do ideário do movimento ao lado de Blair e Clinton. 

Uma das minhas preocupações na viagem foi entender o enquadramento de cada um dos países visitados dentro dessa contextualização, abstraindo-o dos “diferentes discursos políticos” praticados, que a meu ver indicam “coisas distintas”. A adoção quer do Liberalismo, Neoliberalismo, (dentro dele a Terceira Via) e o Progressismo é na essência uma “opção político-econômica”, que nada tem a ver com “princípios do capitalismo e/ou comunismo”. Como vimos, tanto Governos ditos de Esquerda, como de Direita fazem uso de corolários comuns, ainda que de correntes diversas dentro do mesmo ideário e por isso não há como “etiquetar” um ou outro lado. A Argentina atual certamente não se enquadra em nenhum desses modelos pelos imensos problemas que tem com sua Dívida Externa, ainda que procure dentro das suas limitações estabelecer políticas compensatórias, pois afinal nenhum governo sobrevive à um alto grau de insatisfação popular. Já Chile (Piñera – Renovação Nacional), Peru (Ollanta Humala – Nacionalista Peruano), Equador (Rafael Correa – Alianza) e Colômbia (Juan Manuel Santos – Unidade Nacional) seguem basicamente os mesmos “princípios econômicos” da Terceira Via e não por acaso todos são Economistas, exceto Humala, mas que governa tutelado por uma área Econômica sob a orientação “mais à Direita”. Algo parecido ao que aconteceu na chegada de Lula ao poder no Brasil.

A única exceção subcontinental é a Venezuela, que através do Bolivarianismo e seu Socialismo do Sec. XXI” do recém finado Presidente Chávez, (que busca um “retorno” ao Velho Socialismo), mesmo assim em um país extremamente dividido politicamente, como o comprovou as últimas eleições de 2012 e que terá que provar sua “capacidade de sobrevivência do Chavismo sem Chávez” através de Nicolás Maduro, se eleito nas Eleições de Abril de 2013. Mas a “grande incógnita” é o que acontecerá com a Venezuela caso Capriles vença. Como me disse um venezuelano: Que Deus provenha o melhor para a Venezuela.

A análise histórica desmente e caracteriza como mera busca de espaço por uma “coloração partidária” no debate eleitoral a aplicação de “rótulos” de DIREITA NEOLIBERAL e de ESQUERDISMO PROGRESSISTA e a sua diferenciação na aplicação de Políticas Compensatórias de Combate à Pobreza, pois a “classe dominante”, (eleitoralmente falando) é o “pobre”. Na realidade é o “momento econômico” quem determina “avanços e retrocessos” neste quesito. Faz-se o que o Orçamento da União aguenta. No Brasil se comprovou que na sucessão a Fernando Henrique vieram os Governos Lula e Dilma, “programaticamente social-democratas” e que a distinção no quesito “privatizações” é que um fez a “privataria”, enquanto o outro faz “concessões de longo prazo”, outro recurso de retórica político-eleitoral.

Na América do Sul a discussão atual não está mais calcada no “modelo ou ideário econômico” mas sim no capítulo das “liberdades individuais”, que o maniqueísmo “esquerda x direita” não consegue dissimular e que ocorre principalmente no Brasil, Argentina, Bolívia e Venezuela, exclusivamente como “tentativa de manutenção do Poder ao máximo possível, ou... “.

Antônio Figueiredo é o @ToniFigo1945, mas para os velhos de guerra das trincheiras virtuais, ainda é o Chumbo Grosso, agora, um especialista em América Latina.

Comentários

  1. Digo e repito sempre que eu estou para economia tanto quanto Mantega está: nenhum de nós dois entende nada sobre o tema. Com a diferença que eu jamais gasto mais do que recebo, claro. Portanto, esta aula foi ótima. Eu poderia jurar que neoliberalismo nem existia. Era apenas uma invenção novilingüística dazesquerda rancorosa destepaiz, com carga pejorativa contra quem consertou a economia em um de seus piores momentos, o ex-presidente Fernando Henrique. Aliás, tal como fez a Dama de Ferro no Reino Unido. Aprendi que a coisa, então, não é só ranço. :)

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  2. opcao_zili11/03/13, 16:08

    Tempos outros, outras medidas.Mas, para isso, há que se ter inteligência - artigo inexistente no governo populista atual que, no frigir dos ovos, não seguiu nada de nada,a não ser o caminho do enriquecimento individual.

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  3. Valeu pela aula Chumbão. Pena que aqui ficamos com um capitalismo de BNDES, ou seja empresas tuteladas pelo estado. Não disputam o mercado a vera, onde o melhor sobrevive. Qualquer probleminha lá vai dinheiro público dar uma força. Capitalismo neo cucaracha isso sim, esse do Brasil. Sub-desenvolvimento sustentado.

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  4. Texto muito esclarecedor. Parabéns

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  5. Sábio Toni!
    Meus cumprimentos pela verdadeira aula de sociologia política. Está na hora de começarmos a dizer: "Nós sabemos!", "Não nos tomem por ignorantes"!. Sua crônica escancara as entranhas da ignorância política desse país, expoe as raizes de todas as mazelas,principalmente, as educacionais e, consequentemente,as culturais e a truculência daqueles de Michel Foucault chamava de "pequenos ortopedistas da moral".
    Agora e apenas talvez, os brasileses saibam que nao possuimos esquerda ou direita,que nao somos, no fundo nada daquilo que nos "rotulam". Quem sabe estamos construindo algo. Mas ainda nao sabemos o que é.
    Esta crônica precisa perambular pelo Brasil todo.
    Com toda minha estima e admiração.

    José Carlos Bortoloti
    Passo Fundo - RS

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  6. Zinha Bergamin (@Lelezinha_09)11/03/13, 19:35

    Vou me "encostar" na amiga Regina,repetindo o que ela disse,pois faço a mesma coisa,ou seja, não entendo nada de Economia tal o Mântega e jamais gasto mais do que ganho! rsrsrs

    Continuo achando complicado o mundo da Economia;para mim, de um modo bem simplório,parece que em muitas partes,em muitos aspéctos a história se repete,só que...com outro nome!

    Portanto,recolho-me à minha insignificância e trato de observar bem para que eu me esconda qdo afinal perceber que "o Circo vai pegar fogo"! rsrs
    Obrigada pela bela aula,como sempre, e até à próxima!
    Bjs e abçs
    Zinha

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  7. Chumbao,

    No Brasil nao temos liberais nem progressitas. O que sobrou pra nos foram os vigaristas.

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  8. Fernando Bright Hiller11/03/13, 21:26

    Texto muito interessante do Tony Figueiredo, seria um bom mote para uma jornada de saraus políticos ANTI-ideológico-partidários da atualidade da América Latina. Gostaria de ter conhecido o Chumbo Grosso quando ainda estava na batalha! Pequena dúvida: o ensaio reflete conhecimentos de convívio acadêmico ou é fruto de interesses autodidatas? Obrigado ao prezado Sandro Vaia pela dica no Twitter. E parabéns às meninas Veneno Veludo! E só para finalizar: a imagem em azul do logo tem algo a ver com o filme Blue Velvet? Eu só imaginaria um Veludo venenoso em vermelho ou preto, meio "vampire mode on" !

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    1. Caro Fernando, grato pelos elogios e comentários. Sou Economista, mas apaixonado por História e América do Sul desde a mais tenra infância e meus 67 anos só fizeram aumentar essa paixão, para nos entender e aos nossos vizinhos. Convido-o a ler a serie que nos levou até aqui e iniciou-se com uma viagem. Um forte abraço.

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  9. Fernando Bright Hiller11/03/13, 21:42

    Ops, peço humildes desculpas por ter generalizado um parabéns aos integrantes do blog com um "às meninas Veneno Veludo!" Foi antes de verificar, apenas por curiosidade, que há duas integrantes nominadas, "um" BSchopenhauer e o/a integrante de perfil incógnitum. O bom português, que eu acho que ainda domino, exige um "aos meninos Veneno Veludo!" para generalizar o plural, em que pese a patrulha para nos obrigar a falar esquisito em tempos de presidentas, governantas e antas na política nacional ... ;)

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    1. Obrigada pela visita e comentários, Fernando. Tenho a sorte de contar com amigos generosos que colaboram com sua perspicácia, estilo, verve com o blog. Essa é a contribuição para o bem. Mas a responsabilidade por ele, na dualidade do mal que acompanha o bem, é tão somente minha, mesmo. Espero que você volte sempre, já que gostou do que viu até aqui.

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  10. Acho que é um texto correto do ponto de vista teórico, Antônio. Ainda que pesem certas simplificações, entretanto plenamente justificáveis por não tratar-se de trabalho acadêmico. Do ponto de vista histórico acho que ficou faltando uma referência ao fim do chamado "socialismo real" em fins dos 80, início dos 90.
    Como você bem sabe, há no termo "neoliberalismo" um certo componente pejorativo. Aliás, os próceres dessa corrente não se chamavam neoliberais, mas "Novos Clássicos".
    A "pecha" de neoliberal foi quase um revide das esquerdas (especialmente as de países periféricos) à constatação do débacle socialista, teórico e prático.
    Bom texto!

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