50 ANOS SEM PLANEJAMENTO



Uma das frases mais recorrentes dos últimos tempos é a de que “quem não aprende com o passado, certamente repetirá os mesmos erros no futuro” e é por isso, (e meus amigos sabem que abordo muito frequentemente este tema sem paixão política e ideológica), que insisto em que nós brasileiros precisamos fazer uma releitura da “História do Brasil ensinada” desde o Descobrimento até os tempos atuais, mais em especial, por sua influência contemporânea, a do período dos Governos Militares, (1964 – 1985) e entender sua real importância e responsabilidade pelo “Brasil, que temos hoje”. Esse período que muitos chamam de “anos de chumbo”, outros tantos o enxergam como “anos dourados” e a rigor a discussão atual via uma “guerra ideologia” jamais trará rumos e desenvolvimento econômico e, por conseguinte “desenvolvimento social”. Muito pelo contrário sempre trouxe e trará, exclusivamente, “instabilidade política” através da segmentação e divisão da população entre duas “miragens nacionais”, mas não essencialmente “nacionalistas”. Nem sempre aquilo que a “ideologia” tenta “explicar” justifica-se e encontra respaldo na “realidade histórica” contemporânea ao fato.

O passado é aquilo que aconteceu e que não é possível mudar-se e a despeito de muitos, de tampouco reescrever-se. O que podemos e devemos é interpretá-lo “à luz do seu tempo”, tão exclusivamente “à luz do seu tempo”, jamais segundo a ótica e padrões atuais de quaisquer valores hoje vigentes e aceitos. Daqueles tempos hoje apenas se fala da “tortura”, dos “direitos humanos violados” e da “falta de liberdade e democracia”. Por que não se fala do incrível “salto de qualidade”, que o Brasil deu em todos os setores, inclusive no social? E isso aconteceu por uma única e exclusiva razão: o Brasil tinha um projeto. Um projeto desenvolvido dentro das “melhores cabeças econômicas pensantes da academia”: Otávio Gouveia de Bulhões, Roberto Campos, Hélio Beltrão, Delfim Neto, Mario Henrique Simonsen, Professor Eugênio Gudin, (por vias indiretas) e principalmente o General Golbery do Couto e Silva, o “grande articulador” e cabeça pensante. Para aqueles que sempre invocaram a “vocação golpista” das Forças Armadas, recomendo-lhes ler as biografias do Tenentismo, da Coluna Prestes e do próprio Golbery, para uma correta compreensão da movimentação política da época.

Desde a proclamação da Independência foram poucos os que se preocuparam com a definição da “vocação histórica” do Brasil no concerto das nações. A primeira manifestação dessa determinação deu-se no II Império com Dom Pedro II, um homem “adiante do seu tempo”, que se preocupou com a implantação de uma infraestrutura adequada ao país através de um processo incipiente de industrialização, telecomunicações e infraestrutura rodoferroviária, competindo com países então no mesmo nível de desenvolvimento como os Estados Unidos. E foram os recursos principalmente da agricultura cafeeira que permitiram ao Brasil uma expansão importante no setor ferroviário até os anos 50 do século XX. É consequência dessa fase a industrialização de São Paulo, na época o mais importante produtor de café. Nos anos de 1919, (Epitácio Pessoa) e 1925, (Artur Bernardes), Ford e General Motors, respectivamente iniciaram seus processos de montagem de caminhões no Brasil. Outro marco foi a implantação do primeiro complexo siderúrgico, que se deu sob o Governo Dutra em 1946, fruto da assinatura dos Acordos de Washington por Getúlio Vargas. Em 1953 foi a Volkswagen que se instalou no Brasil, iniciando a construção da fábrica de São Bernardo do Campo em 1956.

É importante entender que todo esse processo dava-se muito mais pelas “forças de mercado”, do que fruto de políticas oficiais, nisto incluindo-se também toda a infraestrutura de energia e telecomunicações sob a exploração de companhias estrangeiras, os portos e ferrovias sob a concessão às empresas privadas e os aeroportos todos de caráter regional, (estaduais), tudo isso fora de um planejamento e ordenamento oficial federal. Com a aceleração do desenvolvimento na década de 50, incluída a construção de Brasília com a expansão para o Centro Oeste e o processo de “migração do campo para as metrópoles” começaram a se evidenciar os gravíssimos problemas de infraestrutura, mormente de energia e telecomunicações, além do “surto nacionalista” iniciado em 1953 com a criação da Petrobrás em franca contestação ao controle das “atividades essenciais” por empresas estrangeiras. A urbanização do Brasil provocou por outro lado uma fortíssima movimentação política, tanto que a partir de 1950, (Governo Getúlio), até 1963, (Governo João Goulart) o Brasil viu-se na eminência de vários golpes de Estado. O Presidente Juscelino Kubistchek governou todo seu período praticamente sob um “estado de sítio” informal.

É dessa época o surgimento de um movimento sindical independente, (em contraposição ao sindicalismo pelego da Era Vargas, criado na década de 30 e que veio a sufocar os sindicatos classistas existentes e de tendência anárquica de São Paulo) e que passaram a engajar-se em “causas públicas”, além das costumeiras causas trabalhistas. Sobreveio à construção de Brasília o recrudescimento da inflação, fazendo com que o “salário mínimo” deixasse de ser uma questão sindical e passasse a fazer parte de “bandeiras políticas” de vários partidos. O Governo Federal, então detentor de milhões de hectares de “terras devolutas”, muitas das quais de melhor qualidade ocupadas por latifundiários, (cana de açúcar e café), passou a ser foco de pressão para a Reforma Agrária, dadas às “condições miseráveis” do homem do campo assalariado.  Nada havia mudado desde a Coluna Prestes 40 anos antes. Por outro lado, como consequência da “guerra fria” e a ativismo de Cuba, após os incidentes da frustrada Invasão da Ilha dos Porcos e da Crise dos Mísseis, que começou a “exportar sua revolução”, (América Latina e África Portuguesa) e a liberdade de participação dos Partidos Comunistas, (o Brasil chegou a ter dois) acrescentaram o “fermento da sublevação social” com o aumento de greves, passeatas e manifestação extremistas, então “toleradas”, (encampadas), pelo Presidente João Goulart. Quem é desse tempo lembrar-se-á das queimas de bandeiras americanas, denúncia do Acordo MEC-USAID e dos slogans “Yankees go home”. Fruto de tanta desordem política, econômica, social e estrutural deu-se a Revolução de 1964.

Grande parte do Estado Maior das Forças Armadas de então era de “ex-tenentes de 22” e/ou seus sucessores imediatos na Academia e assim os “velhos ideais e ideias” afloraram com toda a força. O “golpe militar”, ainda que no princípio tivesse tido uma forte participação americana, (Gal. Vernon Walters), no seu desenvolvimento a “astúcia golberyana” tomou da “esquerda”, (comunista), todas as suas bandeiras. Os sindicatos liderados na sua maioria por “dirigentes comunistas” foram higienizados e o Governo mediante uma luta árdua contra a inflação, que durou 4 anos, (até 1968 com altos índices de desemprego), recuperou o valor da moeda e dos salários e começou através de uma “política de substituição das importações” a dar acesso a bens de consumo, incluídos os automóveis, (pés de boi – Fusca, Gordini e DKW),  mediante a abertura de um “crédito ampliado”, (24 meses), uma novidade absoluta por aqui. Deu também maior do acesso à “casa própria” pelo Programa Nacional de Habitação, (BNH), lastreado nos recursos do FGTS. Os “direitos trabalhistas duvidosos” (indenização por tempo de serviço) foram transformados no FGTS, apesar da grita geral. E assim se resolveu a “questão Trabalho”. 

Com projetos como a Perimetral Norte, a Transamazônica e a Manaus Porto Velho começou a encaminhar a Reforma Agrária, além de um processo de forte absorção de mão de obra nordestina pelo “canteiro de obras”, que o Brasil se tornou de rodovias, hidrelétricas, portos e aeroportos, além das obras internacionais pela América Latina, África e Oriente Médio, onde a Indústria de Construção Civil brasileira começou a se destacar. Em tempo algum até hoje  o Brasil passou por um período de transformação estrutural tão importante. O projeto geopolítico hegemônico passou pela inserção do Brasil em alguns segmentos industriais “de ponta” como a Química Fina, Construção Naval, Foguetes e Carros Militares de Combate de 1ª Geração, o que ao final levou ao rompimento com os Estados Unidos ao denunciar o Acordo Militar em 1973, definindo-se assim como “Nacionalista”. O Projeto Radam Brasil, mapeamento aéreo por radar feito a partir de 1970, definiu o “mapa mineral” principalmente da Amazônia Legal, em contraposição a um projeto que ganhava corpo nos Estados Unidos, (leitura obrigatória para qualquer “brasileiro”), de criação de “Grandes Lagos do Amazonas” (Hudson Institute - Hermann Kahn - 1965) e ainda que não mencionado explicitamente é possível que seja parte desse Projeto o descobrimento da Bacia de Campos em 1974. 

Mas as ações de ampliação das aspirações geopolíticas não pararam por aí. Em 1972 iniciou a construção da Usina Nuclear de Angra I (Westinghouse – USA), que não satisfazia integralmente por não transferir o “domínio do ciclo do combustível”, que foi negado pelos americanos e por isso em 1975 assinou o Acordo Nuclear Brasil Alemanha com total domínio da tecnologia. Muito ainda se poderia falar daqueles “primeiros 16 anos, contudo minha preocupação neste artigo não é “louvar os feitos da Ditadura”, mas tão somente lembrar que há 50 anos não se faz um planejamento destinado a definir “que papel” o Brasil quer representar no atual e no futuro mundo cada vez mais globalizado. Pulamos desde então da 12ª Maior Economia para a sexta por termos usado adequadamente nossas “vantagens competitivas”, mas estamos perdendo continuamente participação na exportação de manufaturados e retornando à condição de exportadores de “commodities”. Os Governos posteriores têm única e exclusivamente feito “ajustes pontuais” de rumo e de solução de problemas, mas nada que estabeleça um “novo rumo” para o futuro. 

Estamos gastando a “poupança” de uma infraestrutura deixada e começamos a nos aproximar perigosamente das condições de 50 anos atrás, só que agora em um “nível mais alto” de exigência. Diz o ditado “que é muito fácil de se aceitar ir de burro para cavalo”, mas que o caminho inverso é perverso... O último redirecionamento estratégico feito no Brasil nas décadas recentes foi a “abertura dos portos” feitas no Governo Fernando Collor. Os Governos Itamar Franco e FHC fizeram “ajustes internos importantes”, mas o combate à inflação pôs a nu outras deficiências, que até então estavam mascaradas. A ênfase dada ao “social” pelos Governos Lula e Dilma foram essenciais para a consolidação do “mercado interno”, o que fez o Brasil crescer no “ranking do desenvolvimento”, mas por outro lado nos deixou “politicamente reféns” dos “votos dos pobres”. Vamos refletir sobre isto. Quem pode nos fazer vislumbrar uma retomada de “rumos estratégicos definidos”, sem que se abra mão dos “avanços internos”, isto já para 2014? Dos que aí se apresentam... NENHUM.

Antônio Figueiredo, o @ToniFigo1945, é economista e agora, o tradutor da conjuntura econômica da América Latina - e do mundo - para o blog.

Comentários

  1. E ainda tem a questão de que a partir de 2014 o país vai começar a pagar a conta da farra irresponsável do dinheiro público dos últimos 10 anos.

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