É DOMINGO: A PAIXÃO DA VERDADE É A CONVICÇÃO DO BEM


A paixão da verdade semelha, por vezes, as cachoeiras da serra. Aqueles borbotões d'água, que rebentam e espadanam, marulhando, eram, pouco atrás, o regato que serpeia, contando pela encosta, e vão ser, daí a pouco, o fio de prata que se desdobra, sussurrando, na esplanada. Corria murmuroso e descuidado; encontrou o obstáculo: cresceu, afrontou-o, envolveu-o, cobriu-o e, afinal, o transpõe, desfazendo-se em pedaços de cristal e flocos de espuma. A convicção do bem, quando contrariada pelas hostilidades pertinazes do erro, do sofisma ou do crimes, é como essas catadupas de montanha. Vinha deslizando, quando topou na barreira, que se lhe atravessa ao caminho. Então remoinhou arrebatada, ferveu, avultando, empinou-se, e agora brame na voz do orador, arrebata-lhe em rajadas a palavra, sacode, estremece a tribuna, e despenha-se-lhe em torno, borbulhando. (...) 
As revoltas da consciência contra as más causas, ainda contra as piores, não azedam um coração desinteressado. O meu tem atravessado as maiores procelas políticas, às vezes soçobrado, ferido, sangrando no entusiasmo e na esperança, mas sem fel. Não seria este novo encontro, embora duro e violento, com a mentira política, a velha corruptora dos nossos costumes, a sabida arruadeira das cercanias do poder, a pimpona rixadora do grande mercado, que me induzisse a esquecer, para com as pobres criaturas por ela contaminadas, a lição divina da caridade. Antes de político me prezo eu de ser cristão. Não sei odiar os homens, por mais que deles me desiluda. O mal é inexorável, pela consciência de ser caduco. O bem, paciente e compassivo, pela certeza de sua eternidade.  
Rui Barbosa, in Discurso no Cassino de São Paulo, 16 de dezembro de 1909, por ocasião da campanha civilista.


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