DIÁLOGO COM O RECÉM-CHEGADO

Oi.

Todos os anos eu converso com você, nessa mesma época (por óbvio), com aquela sensação de que voltamos a ter muito tempo pela frente. Nossa DR é peculiar, porque não tenho muito apreço pelo fato de você estar à porta, não dou muita importância para isso. É que você vem e vai. Vai e vem. Como onda na praia, num ritmo próprio. Se olharmos para frente o tempo maior ainda não passou, e o que vemos se olharmos para trás é uma parte mínima dele, que pode ser medida em poucas horas, somente, num balanço das que valeram a pena. Parece confuso, e é, então tenho a impressão de que o seu tempo é bem maior que o meu. Eu tenho pouco a perder muito.


Quando você chega tenho de lidar com sua ambiguidade. Então não sabe que você me causa estranheza? É tão esperado por tantos quanto temido por mim, sim, confesso. Você pesa em mim. É que ao chegar, você traz promessas ao coletivo ao meu redor e sou uma pária, gosto de individualidade. Pra mim são vagas ideias de que você vem trazendo algumas alegrias, bons momentos, até mesmo esperanças. Você chega deixando para trás a sensação da chuva fina e fria e trazendo muito calor, que detesto, mesmo sob raios e trovoadas. Nós que vivemos sob a Anomalia Magnética do Atlântico Sul mal abrimos a porta e lá está você, todo super quente!

Para mim, um tanto mais pragmática do que muitos gostariam, você entra trazendo angústias. Mas veja, que interessante aquela tal ambiguidade: reconheço que gosto um pouco disso. Mexer comigo por dentro, sempre tão predeterminada, cartesiana, que planeja tudo... tenho razões para gostar da sensação do imprevisível em mim, e você tem um quê de imprevisibilidade apesar da imutabilidade da sua chegada. 

Dessa vez sua chegada coincidiu com meu interior, que sempre foi revolto, mais apalermado. Por dúvidas, atormentado, inseguro, angustiado, triste e muito, muito dorido porque também meu exterior sorri mais, é preciso mostrar-me mais feliz para que menos pessoas façam mais perguntas sobre minhas muito mais dores. Nada afasta melhor as perguntas do que um super sorriso no rosto. Então, sua vinda me pegou, desta vez, num instante em que mais me conheço e reconheci e me desconheci. Velhas ideias sempre mais novas que o normal, novos sentimentos sempre velhos como é normal, novos medos, novas resistências, novos projetos e propostas, velhos objetivos e novas capacidades. E sonhos, que pela primeira vez insisto em ter - nunca os tive - por duas de suas chegadas, consecutivas. Novos sorrisos para que ninguém pergunte sobre as inúmeras velhas lágrimas renovadas insistentemente pelos meus olhos.

Pela primeira vez, você chega e me encontra tanto mais completa, mas também tanto mais em falta de um pedaço, aquele pedaço que tem sabor, cheiro e som do amor que me renova a alma e que, pela segunda vez, precisa (ou quer? Finjo não querer saber) estar longe. Você vem de novo me mostrando que, ao olhar para trás, muito perdi. Fui perdendo no curso dos acontecimentos porque nenhuma boa ação fica sem punição e eu tenho uma coleção de muitas e ótimas ações, todas bem punidas! São perdas que apenas passaram, outras que deixaram marcas. Você, sambando na minha cara, me mostrou que perdi outras coisas tão ruins que foram, portanto, ótimas perdas. Consegue me entender? Então... Não gosto de complicar mas você é uma complicação, então se vira aí pra me compreender. 

Frente a frente com você, olhando para trás, também reencontrei tudo o que ganhei. Ganhei bem menos do que perdi, é fato. No entanto, a qualidade do que ganhei é infinitamente superior. E isso é como a propaganda de cartão de crédito: não tem preço. Tem valor. 

Não esperava - não faz parte da minha história de vida nem do que acredito - gostar de te ver. Eu sei que você sabe que não faço muita questão, nem sinto tanta diferença com a sua chegada, muito menos com a sua partida. Desta vez, não sei, ainda, o que sentirei quando você for embora. Diferente de outras vezes, simplesmente, não pensei nisso porque sou incapaz de planejar o que sobrará de mim no momento em que estiver me despedindo de você. Pela primeira vez temo que posso não restar, não ser o que sempre fui. Não pensarei nisso agora. Rezo pelo melhor mas espero sempre o pior. Deixo que o tempo tome conta do curso da vida. 

Vá ficando, Ano Novo, até a sua derradeira hora. E faça a sua parte pois a minha eu garanto.

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