DIÁLOGO SOBRE A TRISTEZA




Longe de ventos cortantes, de raios tempestuosos, da terra cinza, do silêncio acalentador, do isolamento que necessito, nutro e aprecio, é a tristeza que sinto quando permito que ela não escape.

Tristeza profunda, repentina e explicada como um tornado que nada leva, nada levanta, nada tira do lugar. Não há som, mas ecoa. Não há ferida e nem dor, mas desenha todo o corpo com cicatrizes espessas. Não há fratura, mas engessa. Tristeza que não causa pesadelo, mas faz despertar com a boca seca. 

Na involuntária paz da distância, é precisa e constante, numa guerra entre a ânsia com a expectativa. Na consciência da minha total e absoluta, por si, incompetência de transformar o indizível no que é possível, tristeza é uma lenda, sonorizada por jazz, tecida em kilim, exposta em galeria, elevada à arte. 

É na alegria de ser capaz de não exigir o que quero, o que desejo e o que me faz falta, que ela chega, resoluta e definitiva. Com a densidade da floresta povoada de árvores imensas e sozinhas, o soluço da gota que não cai, porque nem chove! São janelas que se abrem para esconder as estrelas, que brilham porque há muito deixaram de existir vagalumes na cidade. No pedregulho que estala sob os pés em volta do rego d'água, levantando poeira antes de matar a sede de um alimento que me sustenta sem que me tenha sido permitido, de fato, provar o sabor. E assim a tristeza dá a consciência de que pulsa e vive, e que sua vida que dali provém, é intensa.

Tristeza que caminha, cortejando o mundo, seduzindo-o com sua dança no baile da noite inteira. No dia que desperta, altivo, pois o sol envergonhado sob as nuvens é mais forte, e separa a escuridão da lua. Tristeza pela ausência consciente, imposta, da presença desdenhada. Presença que, subtraída, é sentida como o mar de horizonte azul, muito mais desejado que as águas quentes ao nordeste e ondas frias ao sudeste: é a peculiaridade do casco tortuoso do cerrado que nunca, jamais, terá lugar no verde vale.

É da lembrança angustiante de uma ponte por onde o horizonte perpassa sobre um rio de superfície calma e fundos turvos, atravessada a passos modulados, juntos. Do eterno, preso na garganta, solto na voz e no grito mudo e acalentado pela serenidade do privilégio de amar. É o imponderável mas coerente que não se descobre, se teme e se esconde, e ainda assim consegue te entregar tudo de bom que há ao somar com o nada. Tristeza é o soturno espaço de uma pedra de gelo perdida num copo vazio. Fadiga inverossímil enternecida pela fumaça do cigarro que, se eu fumasse, suspensa no ar, explicaria o vácuo da tarde desmaiada no peito cheio de esperança - um dia.

É de obrigar à estampa do sorriso resignado, feliz por iluminar a face exultante depois do abraço fugaz. Do abismo da surpresa de descobrir uma alma intensa e inteira que não se oferece as pedaços, que não te são entregues por já te pertencerem desde antes de saber, e continua proibida. Tristeza é o cheiro viril do espaço concebível do infinito divino da humana condição. Espaço que é ocupado incondicionalmente, muito real, pela chama do fogo que me distrai enquanto meu aço vira pó: adeus, sonhos!

É uma escada, ornada com flores desconhecidas de aromas inebriantes e homogêneos, com um pé cruel a me quebrar, cheio de prazer, os meus dedos, a cada degrau vencido. Tristeza que não abre nem fecha os olhos. Apenas os enchem de lágrimas espessas, quentes, intermináveis.

Tenho direito? A uma tristeza repentina, profunda e tão facilmente explicável?

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