AMBIGUIDADE À BRASILEIRA


Sábado, dia de preguiça, de ler o jornal em meio ao que seria um café da manhã mais longo. Uma engasgada indignada acaba com o “momento Doriana”: A Subsecretaria de Enfrentamento à Violência contra a Mulher (sim temos isto), órgão diretamente subordinado à Presidência da República (haja órgão né não?) vai acionar o Ministério das Relações Exteriores para que este exija dos Estados Unidos ações contra o americano Francis Levy. O crime do gringo foi ter escrito “Seven Days in Rio”. O livro classifica o Rio como “capital mundial do sexo” onde o personagem central procura a “verdadeira puta brasileira”. Por isto a tal subsecretaria de nome grande acusa o autor de desrespeito à mulher brasileira. Sai bolo com margarina, entra um gosto amargo de vergonha alheia.

A vergonha aumenta quando o autor diz que o Rio imaginado por ele foi construído “a partir de diversos cartazes turísticos que via ao longo da vida que mostravam mulheres em praias lindas”. A ironia é que estes cartazes eram distribuídos pela Embratur. Por conta da lei Tamborindeguy está proibido no Estado do Rio à venda daqueles cartões postais em que cinco mulheres deitadas de bruços exibiam bundas bronzeadas em mini biquínis nas areias de Copacabana. Os postais sumiram, mas basta pegar qualquer livro de turismo oficial para que na parte dedicada ao Rio haja mulheres com fio-dental. O comercial do casal francês das Havaianas está aí para provar. A noiva desiste de vir passar a lua-de-mel no Rio ao ver as fotos das mulheres...

O ator nem deve se preocupar com a subsecretaria. Afinal, o que não faltam são provas de que o Rio, se não é capital mundial do sexo (acredito que não seja) tem governos no mínimo omissos nesta questão. Todos sabem que o autor não mentiu ao escrever que o personagem facilmente arrumou uma prostituta em Copacabana. Não é segredo que o calçadão é dividido geograficamente em área da prostituição feminina, da masculina, da de gays e a de travesti. Até um monge budista passeando por ali iria perceber isto. Aliás, Francis Levy errou sim: prostituição de rua pode custar até 10 vezes menos do que os U$100 pagos pelo personagem. E quem tem coragem de negar que, como está no livro, há diversos blogs sobre “as mulheres brasileiras”?

Agora, vamos combinar que não é só a subsecretaria de nome grande que pratica a “indignação midiática”. A prostituição, como tudo o mais no Brasil, nunca foi realmente combatida. O que sempre houve e há é um espasmo moralizante para fingir uma preocupação real. O que o livro faz é desmascarar isto: se um autor que nunca veio ao Rio sabe onde e como encontrar prostitutas (ele fala também de funcionários de hotéis que arrumam mulheres) é que ela há muito deixou de ser uma atividade, digamos, discreta.

Como também abandonaram a discrição várias outras “atividades”. Táxi pirata é proibido. Os aeroportos Santos Dumont, Tom Jobim e a rodoviária Novo Rio estão aí para demonstrar a omissão do poder público. As vendas de DVDs,CDs roupas, bolsas e calçados falsificados são crimes federais, mas qualquer carioca sabe indicar vários lugares onde eles são vendidos. Aqui um parêntese: quando o próprio presidente da República é flagrado vendo um DVD pirata é que a zona está geral... fecha parêntese.

Aí é fácil entender o porquê o Camelódromo da Uruguaiana já ter virado ponto turístico. O local foi criado pela prefeitura e é, ou deveria ser, por ela fiscalizado. OK, ok, às vezes, PF e fiscais da prefeitura dão um pulinho lá lacram meia dúzia de barracas e pronto. Mesma coisa em relação à maconha. Há muito que ela deixou de ser consumida apenas em ambientes fechados. Agora se fuma normalmente nas praias.

Enfim, aqui nas terras brazilienses todos, autoridades e cidadãos quando procurados pela mídia são favoráveis a qualquer ação contra quem desrespeita as leis, são defensores dos direitos das mulheres, dos idosos, das crianças e da vítima do momento e sobretudo indignados com esta gente que “denigre a imagem do Brasil lá fora”. Resumo da ópera bufa: só os brasileiros têm o direito de, por palavras, gestos ou omissões manterem uma realidade que segue desengrandecendo o Brasil e envergonhando as pessoas de bem.

Mirtes Guimarães, jornalista mireiroca que traduz o cotidiano para o blog.

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Comentários

  1. Quem não conhece a PJ, a menor avenida do mundo, a Prado Jr, que tem mais puta que morador? US$ 100? Tá inflacionando o mercado...

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  2. Vixe,Maninha!Seu texto,como sempre,impecável!E inteligente!

    E vc tocou em dois pontos mto marcantes mesmos p/ ilustar a "gandaia geral" que é este país:

    o1º,é a propaganda da Havaianas,qdo mostra mulheres sensuais,de maiô, no que faz a turista desistir da viagem.

    o 2º é a desfaçatez do próprio presidente da república assistir a um filme,mas c/ cópia pirata!

    Então a gente desanima,pq logo pensa:o pior, é que isso tudo é verdade!

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  3. Mirthes, putz belo texto e tive que rir muito. A foto do cartão postal das "bundudas" na praia (aquele que foi proibido pelo Governo Estadual) é na verdade de 5 bourguesinhas sendo duas delas amigas minhas de infância. Te digo mais, a "loira" hoje mora nos EUA, San Diego.

    Lunarscape

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  4. quem riu muito agora foi eu...
    a loira bunduda morando nos eua, é a cereja do bolo (rs)

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  5. Coisas do mundo pequeno, do tamanho de um caroço de azeitona. rsrs

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  6. Isso é o que se chama de "indignação seletiva", como se as "bundas de Copacabana" fossem mais escandalosas, que os "bundões" lá de Brasília.
    Bem, "bundão por bundões" logo logo todo o mundo virá fazer turismo no Brasil, para conhecer os outros 189.999.995 de "bundões", que não estão catalogados.

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  7. Achei o máximo o texto de hoje. Cada um diz o que quer. As bundudas estão lá nas revistas, as peladas no carnval, U$ 100 inflacionaM um mercado, só faltou falar do tarado da Lei Seca que praticamente matou 5 de uma tacada só. BRASIL, MOSTRA A TUA CARA!!!!

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  8. sandra sallee03/09/11, 16:10

    O texto vem a calhar nesse imenso mar de lama , as mortes no bondinho , a morte da juiza com 21 tiros , cade o culpado ? A inocente Roriz ...Me faz morrer de vergonha .
    Mas a capital Brasileira do sexo pedofilo e Fortaleza . Meninas de 10 , 12 ,13 , sendo vendidas nas orlas pelos pais e cafetoes a vista de todos ...
    Resumo da opera bufa : temos muito do que nos envergonhar .

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