MELANCOLIA CAI BEM



Não vejo mal na melancolia. Não é infelicidade profunda. Não é tristeza. Antes, é a convalescença da carne triste. Enquanto a infelicidade profunda, tal como a felicidade imerecidamente gratuita, emburrecem os sentidos, a melancolia se atreve a perturbar o funcionamento de certas cabeças. Do intelecto. Nada é mais mórbido do que um cérebro inerte, acomodado dentro da segurança do sentimento de um momento. Um intelecto perturbado, por sua vez, passeia pelas variações dos sentidos, os cinco do corpo e os inúmeros do espírito. Somente de um cérebro ativo podem resultar... coisas. Boas ou não. Mas há, sempre, que resultar em algo.

Não vejo mal na melancolia. É ela que tira o peso da tristeza. Melancolia é apego à vida, ao não se furtar a sentir todos os seus espectros - quase nunca os mais belos, coloridos, delicados, sensíveis - sombrios. A razão é melancólica, porque sabe que a vida é feita de dores, dificuldades, intolerâncias, incertezas, destemperos. A razão sabe que a vida é feita de perdas momentâneas de si mesma, da própria razão. 

Não vejo mal na melancolia. É um diálogo desapegado com alguma limitação. Ou com várias, ao mesmo tempo. Limitações de um instante. Melancolia é subtrair o calor da luz. Deixar de arder, sem deixar de mostrar seu brilho. Entender como é feita a medição da distância; suportar o som do silêncio. Mais, até. É desejar os ecos do silêncio. É mergulho, do mais alto cume, ao mais profundo poço, de forma que possam, ambos, existir, co-existir dentro de si mesmo. É memória de outrora, rumo ao presente. Ignorando, obviamente, o que não existe (de novo, razão): o futuro.

De longe, do alto, do poço, onde quer que seja, é onde estou: melancolia cai bem.

Comentários

  1. Espero que você se anime, logo, logo. Agora, a-mei a poesia embutida em "Não é tristeza. Antes, é a convalescença da carne triste."
    No mais, levante, sacode a poeira e dê a volta por cima
    beijim

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  2. A empada desmanchou, Marcinha... Vou te confessar, você sabe que eu gosto de ficar sozinha, me faz um bem danado. E nunca, jamais, senti solidão. Exceto agora. Pior, nem consegui ficar sozinha como gosto, em casa, e nunca senti tanta solidão quanto agora. Falta que faz o papai, para quem eu podia contar tudo... Beijoca!

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  3. "suportar o som do silêncio." É a face mais difícil da tristeza.

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