AS APARÊNCIAS ENGANAM: NADA ESTÁ PERDIDO


“Tudo que já acreditei não está perdido em mim”*

Acabei de ver um filme chamado Potiche. E esta comédia francesa além de divertida, me fez ver como ainda é arraigado o hábito de se tentar rapidamente rotular uma pessoa. Na primeira cena Suzanne (Catherine Deneuve dando show) está se exercitando, correndo até um lindo bosque onde suspira enlevada ao ver um cervo filhote, solta um rizinho cúmplice para o casal de coelho que está copulando e faz poesia para um esquilo. Depois de dar um até amanhã para a natureza, ela volta alegre e saltitante para a mansão a tempo de servir o café-da-manhã do maridão. Mais fútil, tola e submissa impossível, né não? Não. E os 102 minutos serão como se o diretor François Ozon decidisse comprovar aquilo que nossos pais já nos advertiam: as aparências enganam...

Para respeitar aqueles que por curiosidade queiram ver o filme, não falarei muito sobre as pegadinhas anti-rótulos e escreverei apenas o que se encontra nas resenhas. Suzanne, esta mulher submissa, mãe, avó, dona-de-casa, irá surpreender todos. Em um momento auto-depreciativo ela diz ao marido ser uma esposa-troféu, o tal potiche do título. Bom, o problema é que aos 60 anos, sem nenhuma experiência profissional, ela terá que gerenciar a fábrica da família depois de o marido sofrer um infarto. Aí, se segura malandro que o troféu sai do armário, ou melhor, da estante, em grande estilo.

E você se dá conta de que no mundo real milhões de Suzanne estão se recusando a continuarem troféus. Sim há um exército de mulheres na casa dos 60 que estão “saindo da estante” e surpreendendo muita gente. Mas, o mais importante é que elas estão se redescobrindo e a partir daí fazendo coisas que nunca pensaram em fazer. Da maneira mais independente possível elas estão mostrando o quão bobo foi aquele que achou que a elas não restavam mais nada.

Entretanto, o filme, ambientado em 1977, não fala somente desta mudança de hábitos femininos. Aliás, sobre isto Suzanne faz questão de dar uma estocada na filha. “Vocês dizia que eu tinha parado no tempo e agora critica o que estou fazendo. Eu estou adiante do seu tempo”. Em outro momento, Gerard Depardieu (magnífico) contrariado em não conseguir convencer Suzanne a fazer algo, diz que ela se tornou uma pessoa prática e pragmática. Ela não pestaneja e fala: “para alguma coisa serve o passar dos anos”. E pragmatismo e praticidade fazem com que ela siga novos caminhos sem romper de vez com o antigo. Nisto pode está a chave da felicidade: temos a sabedoria de saber nos reinventarmos sem perdermos os laços com tudo que nos rodeou anteriormente e de uma forma ou de outra nos trouxe até aqui. Mas será que a gente se reinventa ou, apenas quando decidimos sair da estante as energias inertes acordam e nos ajudam a finalmente sermos plenamente nós?

Mirtes Guimarães, jornalista mireiroca que traduz o cotidiano para o blog.

*Da canção C´est beu la vie que “Suzanne” canta no final do filme:


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Comentários

  1. Cara Mirtes.

    Gostei muito do texto.
    Verdade, sempre é tempo de se reinventar, transcender e trilhar novos caminhos. Muitas pessoas passam pela vida como meros observadores, mas que teriam muito a dizer e a contribuir.
    Este filme já está em minha lista de filmes a serem vistos.

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  2. "Os povo" tendem a ser radicais e limitadores. Esse seu artigo faz com que baixemos a bola. Muito legal

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  3. Olá,

    Sugestão super instigante...

    Ótima semana para você!

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  4. As mulheres cresceram como profissionais nas últimas décadas, enquanto alguns homens deixaram a vida levá-los e aí....
    Bjs, Blue

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  5. Lelezinha_0920/11/11, 23:50

    Querida,que texto bom!Tão verdadeiro!

    Nesta frase,está o cerne de tudo:
    "Nisto pode estar a chave da felicidade: temos a sabedoria de saber nos reinventarmos sem perdermos os laços com tudo que nos rodeou anteriormente"

    Este é o gde segredo das lutadoras neste mundinho de Deus!
    Crescer sobre e principalmente acima da adversidade!

    Não sei se vc leu o livro "Por que os homens fazem sexo e as mulheres fazem amor?cujos autores depois te falo,caso vc queira lê-lo;trata-se justamente da diferença entre homens e mulheres,donde se conclui que,em matéria de crescimento, os passos que as mulheres deram,foram e são até hoje, infinitamente maiores do que os passos dos homens!
    Parabéns pelo texto!
    Delicioso!

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