(IN) CONSCIÊNCIAS LIMPAS



Promulgada a “Lei da Ficha Limpa”, válida para os mandatos eletivos, aprovada pelo Congresso Nacional, mantida pelo Supremo Tribunal Federal, malgrado a sua discutível constitucionalidade, vem ao mundo jurídico para exercer o que, a princípio, caberia a ninguém mais legítimo que o eleitor. A referida lei destina-se a promover o que, infelizmente, o cidadão brasileiro não tem sido capaz, isto é, escolhas conscientes para afastar os corruptos da vida pública. Agora, para o bem ou o para o mal, a Ficha Limpa está em vigor, é válida. Cabe às instituições competentes torná-la efetiva. 

A par disso, a Assembléia Legislativa do estado de São Paulo aprovou a proposta de emenda à Constituição daquele estado, instituindo a “Lei da Ficha Limpa” para o funcionalismo público paulista, de forma a impedir a nomeação de servidores que, nos termos da Constituição Federal, sejam considerados inelegíveis. Por tudo que representa o Estado de São Paulo para o Brasil, a incorporação da “Ficha Limpa Paulista”, seguramente, influenciará os próprios Municípios, como também os demais Estados e Municípios da Federação, em ressoando discussão que já transcorre no Senado da República, no sentido de expandir a exigência da “ficha limpa” para todos os cargos públicos (comissionados, efetivos, temporários) e funções do governo federal. 

Entretanto, valorizar-se-ia bastante mais a democracia se a cidadania brasileira não precisasse da “Lei da Ficha Limpa”; que o eleitorado usasse sua legitimidade e aptidão, a fim de eliminar os bandidos da vida política. É paradoxal: diante da exigência da ficha limpa, o eleitor, mais uma vez, é eximido da sua responsabilidade, ao tempo em que isso o afasta da política. Lei que afasta o cidadão política é maléfica para a democracia. 

Ao contrário, trazer o cidadão para o núcleo do processo político decisório é democrático e pedagógico. Segundo Montesquieu: "O governo republicano é aquele no qual o povo, conjunta ou parcialmente, detém o poder soberano". Pode-se e deve-se incluir, aí, a responsabilidade moral pelos delitos de corrupção cometidos pelos agentes públicos eleitos pelo povo. A solução não é outra, senão que, consoante o Estado Democrático de Direito, a própria cidadania, o “homem do povo”, tome para si e exerça o legitimamente o poder de alterar essa realidade. 

Consoante a linha de raciocínio, vislumbra-se a possibilidade de chamar o "homem do povo" ao protagonismo político, investindo-o das funções de magistrado da corrupção, ampliando-se, no Brasil, a competência do Tribunal do Júri, à luz do permissivo da Constituição da República. Aqui, não se faz proselitismo do Tribunal do Júri para delitos de corrupção, por se acreditar em aumento de punição. Defende-se o Júri Popular para a corrupção visando, isto sim, aproximar a cidadania, “o responsavelmente, da justiça. Sustenta-se a idéia do Júri popular para a corrupção, a fim de que o cidadão seja também responsável pela decisão de punir, ou não, os bandidos; enfim, pela impunidade, se decidir não punir. Nesse caso, o “homem do povo” seria protagonista direto do Poder jurisdicional, em lugar de se limitar a atirar pedras, difusamente, nas instituições de justiça. 

Não se duvide que uma das mais relevantes falhas do Tribunal do Júri, no Brasil, é ter competência limitada a poucos crimes, especialmente aos delitos contra a vida. Dever-se-ia expandir para muito além. O desrespeito sistemático do ordenamento jurídico propaga sensação de impunidade e, logo, a busca efêmera de satisfação coletiva, mediante a resposta costumeira, por ocasiões dos clamores da “opinião pública”, qual seja, a demagógica da exasperação das penas cominadas em lei, irrealizáveis na prática, vista a corriqueira incompetência contra o crime. Então, que se estenda, aqui também, responsabilidade cidadã, relativamente à corrupção: nesse caso, o Júri Popular significaria controle social da corrupção. 

Por enquanto, o cidadão, o eleitor brasileiro não se sente responsável pelos crimes dos bandidos que elege, nem pelas decisões da justiça que sustém. Exulta-se, pois, com uma lei que redima a sua (in)consciência.








Ailton Benedito de Souza é procurador da República, 

procurador regional dos direitos do cidadão do MPF/GO


Arquivo:
(Ilustração: Tribunal do Santo Ofício, de Goya)

Comentários

  1. Saúdo o excelente texto do dr. Ailton com alegria. Quiçá as cortes tivessem a consciência de representar verdadeiramente aqueles que trocam as suas por bolsas qualquer coisa; por ignorância ou comodismo.
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    A mania de olhas as palavras de check: Inesun Achan
    Bem pertinho de "Nenhum Acha"

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  2. Vindo de um causídico, a coisa fica mais bem clara. Júri popular, penas aumentadas para corruptos e corruptores no exercício de função pública, inelegibilidade e proibição do exercício de funções públicas em cargos comissionados, seriam medidas muito bem vindas.

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  3. Muito bom. Seria realmente um avanço da cidadania se o povo pudesse julgar os corruptos. Com certeza,haveria um efeito pedagógico progressivo, permitindo um salto de qualidade na vida política do país.

    Um abraço.

    Coronel

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