DIÁLOGO COM A DESCULPA


É um ato de fé vivida, conduzir-se convencido de que mais vale trilhar o caminho mais difícil, o de escolher o bem. É o mais tortuoso, menos bonito, cujo destino fica sempre mais distante; muito mais longas são suas estradas, pouca sombra, falta água, sem refresco. Mas do que é certo, ninguém escapa. Uma hora, acaba-se acertando, nem que seja por acaso, e fazendo a coisa mais correta. 

Nesses tempos sombrios, onde verdades e mentiras andam tão misturadas e as verdades são nebulosas, e as mentiras brilham, optar pelo acerto é muito solitário. Saber que está tudo certo é uma melodia ressoada num salão de baile escuro, e totalmente vazio. Nenhuma boa ação fica sem punição. O preço a se pagar por agir corretamente  bem é certeiro: ele vem e custa caro. 

Para os acertos da vida foi que inventaram o perdão. Perdão é algo que faz parte da vida de qualquer um, ou  ao menos deveria fazer, assim como o autoperdão. Desculpar-se a si mesmo é essencial para que não perca a sanidade, ao longo do curso da vida. Se não formos capazes de nos perdoar por nossos próprios acertos, a punição que todos receberemos por eles tornar-se-á impagável.

Peço desculpas a mim, e a quem mais aprouver, que leia e respire comigo o ar da vida, por todas as opções corretas que já fiz, inclusive as muito recentes. Peço desculpas a mim pelos erros que tive oportunidade de cometer, e não quis. Por ter deixado a facilidade relegada à covardia, e preferido ser eu, como apenas eu mesma. São léguas de desculpas, por isso. 

Peço desculpas pela cara falsa que não usei, pelas inverdades que não dissimulei, pelas dores que não recusei; peço desculpas pela companhia que me escolheu, pela graça de sorrir todos os dias, de manhã até a noite, por sua alegria vinda da paz de espírito; peço desculpas pelo tempo que me dediquei, e que acrescentou tudo o que não concluí; peço desculpas pelos e-mails e mensagens anônimas que não respondi. Pelos telefonemas que não dei, e pelos que retornei. Pelas coisas que não fiz. Peço desculpas pelas escolhas que refutei. E pelas que fiz, e por isso, me realizo.

Peço desculpas pelos sentimentos que não demonstrei; pela dor que não causei; pela alegria que não senti, peço desculpas pelo sofrimento que não dividi; peço desculpas pelas lágrimas que não engoli, e pela angústia que silenciei; desculpas pelo desabafo que mandei, e pelos textos que não escrevi; peço desculpas pelos fatos que não contei, pelas histórias que suprimi. Pela vida que não vivi.

Desculpas, peço pelas verdades que não desmenti, pelas mentiras em que não acreditei. Desculpas, pela solidão que não recusei; pela cumplicidade que troquei, parceria que cumpri. Peço desculpas pelo sonho que não entrei, e do qual, realisticamente, eu acordei. Peço desculpas pelo tempo em que sobrevivi, e pela covardia que não adquiri.

Peço desculpas pelas desculpas que não dei. Por falar o que não é comum e que ninguém deseja ouvir; por não mentir para desagradar, e pela escolha de não representar. Peço desculpas pelo sangue com que molhei minhas palavras, não ditas e nem ditadas. Peço desculpas pelos sons do silêncio, que permitem ressoar o eco das batidas do meu coração, no meu peito. Peço desculpas por não ser, por não ter, por não haver; peço desculpas pelas pragas que não roguei, pelo mal que não quis, pelo peso que não carreguei. 

Peço desculpas porque nunca desculpas pedirei por me respeitar. Por ser fácil amar, como quem respira! Por ser tão comum viver, leve, sem loucura. Peço desculpas pelas culpas que nunca senti, e todas as que nunca sentirei, pelas quais jamais eu me desculparei. 

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