UM DEDO DE PROSA


Tudo na minha vida remete a uma música, é assim desde que me entendo por gente. Nessa tarde, bastou uma fala bem colocada, e cinco sentidos reagiram. Tudo, é poema e melodia: é música.
Um encontro, um desencontro. Uma data, uma festa. Uma morte, um nascimento, um vazio. Um programa de TV, um filme no cinema. Um livro. A pipoca, o futebol. Uma experiência gastronômica, ou um frango caipira no fogão de lenha.
Um poema. Um abraço. Um beijo. Um carinho. Um sorriso, o sorriso! Um olhar outonado, esperando para brilhar, quando revê. Uma mão firme, levíssima no rosto - aquela boa pegada, pelo pescoço - um êxtase! Um suspiro, uma risada. Uma lágrima, uma dor, triste, sentida, sofrida, dorida. Profunda, no peito, apertando. Uma saudade.

Um cansaço, como este que me abate. E a vontade enorme de dizer que sim, largo tudo, vamos pra roça!

Som de cigarra, pisca-pisca de vagalume, cheiro de mato, mas de mato orvalhado, de madrugadinha. Brisa serenada, que vem da queda d'água, atravessando a mata. Chega na varanda, pega a gente na rede, caneca de café, fumegando, nas mãos. Manta de tear, faz frio! E a música. Lá vem ela.

Sossego. Aconchego. Toques, perfumes, cores, sabores. E sons... A música. Lá vem ela!
Dedo de prosa
(Rita Altério e Rafael Altério) 
Meu café torrado, no pilão socado 
O lençol quarado no varal 
Galho da roseira no pé da soleira 
A vista do cafezal 
Flor de cambuquira, a moda caipira 
O rádio de pilha no curral 
Bicho de goiaba, flor de mamangaba 
Cobra-cega no quintal 
Banho de riacho, banana no cacho 
Um dedo de prosa no portal 
Meu cavalo baio ia feito um raio 
Alcançar o milharal 
Chuva criadeira baixava poeira 
Cheiro de cidreira, canavial 
O capim cortado, o berro do gado 
Num cocho caiado, o sal


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