PARA QUE RIMAR AMOR COM DOR?



Um texto sobre dois professores de escola pública é lido. Nele, eles comentam sobre os problemas da profissão (correção de provas até tarde da noite, muitas horas de trabalho, salários, etc.) e do amor que têm pela arte de se ensinar. Quando a questão salarial é levantada, a moça cita que tem um amigo que optou por dar aula em escola particular. O rapaz então afirma que pensa no futuro fazer esta opção e ela rebate que não se sentiria completa profissionalmente se deixasse a escola pública. Bom uma das perguntas da interpretação de texto é qual dos dois gostava mais da profissão. Excetuando um voto, todos concordam a moça gosta mais. Por quê? Ora, óbvio por escolher ensinar em escola pública.

E a resposta parece tão óbvia que vira pergunta simples como outra que indagava onde ocorria o papo entre eles. Aí me lembrei de um velho samba do Ciro Monteiro que dá título à crônica. Sim, por que, em pleno século XXI, ainda se insiste em medir o sentimento pelo sofrimento ou sacrifício que causa? Como negar o amor do jovem pela profissão dele só porque ele quer ganhar um salário melhor? Como “santificar” a jovem só por ela preferir ficar onde está? E a pergunta de um milhão de dólares: Será que ainda se acredita que “o feijão e o sonho” são excludentes? Que não se pode ter prazer profissional e salário digno?

O curioso é que essa “devoção” profissional é mais cobrada em duas importantes carreiras para qualquer sociedade: médico e professor. Os dois sempre são incensados (o que é uma ótima maneira de cobrança) e elogiados por “dedicação” e sacrifício. E isto é tão repetido através dos tempos que faz com que em uma classe com pessoas de 17 a 58 anos, passando pelos vinte, trinta e quarenta, seja quase uma unanimidade. E vamos combinar que há poucas unanimidades entre cinco gerações. 

Como associação de ideias é algo que só Freud explica, este debate também me fez lembrar Tom Jobim que dizia que brasileiro odeia o sucesso. Sim, o sacrifício é exaltado, mas se dele resultar um grande reconhecimento, já não é tão válido assim. O que se enaltece é o sacrifício diário e permanente. O sofrer, o pesar o “se dar” profundo. Tudo isto claro, para os filhos e filhas dos outros. Mas, deixando o lado trabalhista de lado, o fato é que atualmente parece que há um fenômeno ocorrendo: a vergonha de ser bem-sucedido e a necessidade de justificar este suposto sucesso com um passado de provação.

Sim, se você ganha bem, não importa se você rala 10,12 horas por dia, ou se não sabe o que é um fim-de-semana de folga, as pessoas vão deixar claro, em palavras, olhares ou gestos que você não passa de um representante da “vil burguesia”. A salvação aparecerá se você contar como era triste sua infância. Aí sim haverá solidariedade compungida. Mas, se você tiver ensino superior pré-cotas então você é muito mais culpada e haja tragédia para lhe redimir. Sim, neste Brasil de cabeça para baixo, ganhar bem e não precisar de bolsa-isto ou bolsa-aquilo nem de financiamento qualquer é motivo de vergonha. Sucesso é vergonhoso porque não rima amor com dor. Agora, doloroso será o despertar desta era...

Mirtes Guimarães, @marcia1907, jornalista mireiroca que traduz o cotidiano para o blog.

Comentários

  1. Infeliz a nação onde o demérito via apologia ao coitadismo faz da coletividade uma massa incapaz. E somos todos inúteis!

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  2. Marcia,

    So tem vergonha de ser bem sucedido quem nao ralou pelo sucesso. E sao esses que vivem por ai querendo dividir o dinheiro dos outros. Deve ser por peso na consciencia.

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  3. A cultura de coitadismo implantada no Brasil não deixa de ser uma modalidade de censurar e intimidar os capazes.

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  4. Maninha! Só agora consegui chegar no "Veneno! Mas está mto tarde e pretendo ler seu texto com calma,tranquilamente!
    Bjs!
    Amanhã volto aqui! rsrs

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  5. Este assunto é "periclitante" !
    Mas vc tem razão! Parece que é proibido fazer sucesso, e até ser bem sucedido financeiramente! Acho que tudo,no fundo, é aquele sentimento reles,baixo,mesquinho,a tal da Inveja!

    Mas a Inveja existe desde os primórdios da civilização!
    Pois Caim não matou Abel? Yago não tinha inveja do Otelo? Até Mozart,o gde compositor mereceu a inveja do Sallieri!
    (E vc já notou a inveja que Lullinácio sente do FHC?) rsrs

    Li outro dia que a Paixão por alguma coisa é o que destaca uma pessoa das outras! Isso a faz diferente!(Não melhor que as outras) Mas a diferença sempre é notada,e poucos têm a nobreza de reconhecer,ou ver o mérito da outra em destaque!

    Assim é a natureza humana...
    Muitos ralam,se esforçam,se entregam por algo, mas outros só criticam,ou desdenham... Estes são apenas espectadores na vida!Os primeiros são os grandes atores no palco da vida!

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  6. Meu caro. Ótima matéria, para não fugir ao seu costume. Recomendo-lhe ver isto: http://pmbitalia.blogspot.com/2012/10/a-degradacao-moral-e-preciso-ver-para.html?spref=fb

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