PELA AMÉRICA LATINA: PERU RENASCE


(Photo: Little Girl in Traditional Dress, Colca Canyon, Peru, by Jane Sweeney)

O PERU RENASCE NA VÉSPERA DO FUTURO

Foi aos 8 anos de idade que me apaixonei pela “aventura da História” ao ganhar dois livros escritos especialmente para crianças: A PEQUENA HISTÓRIA DO MUNDO e HISTÓRIA SAGRADA, (uma condensação da Bíblia). Neles e através deles é que conheci e estive com Leônidas, Haníbal  Julio César, Nabucodonosor, Tutancâmon, Moisés, Abrahão, José do Egito, Daniel e tantos outros em cada um dos seus eventos históricos então encenados no palco da minha imaginação infantil. É claro que sobrava espaço também para Xuxá, (não confundir com a “loura dos baixinhos”), Gibi, Luluzinha, Rocky Lane, Dom Chicote, Fantasma, Capitão Marvel e Pato Donald, pois no “olimpo infantil” o que não falta é espaço para novos deuses, heróis e mitos e suas sagas. 

Aos 11 anos de idade, já no “ginásio”, tive a matéria escolar da HISTÓRIA DAS AMÉRICAS e foi então que os Incas de Ataualpa e Huascar e sua resistência feroz contra Pizarro e Almagro formaram no meu “panteão particular”, pela surpreendente vizinhança ao Brasil e seu estágio de avanço tecnológico comparativamente ao gentio brasileiro. Ainda desses tempos recordo-me da Operação Kon Tiki, que visava provar a teoria de que a colonização da Polinésia seria originária da América do Sul, mediante uma travessia tentada em uma “canoa de papiro” inspirada nas canoas inca. A canoa naufragou e a teoria, não sei se ainda “flutua”.

Apesar de 53 anos de vida profissional trabalhei com apenas dois peruanos, que me lembre, e por isso não tinha deles muitas referências, a não ser a da sua fisionomia marcante com forte ascendência “chola”. Interessante notar como os fluxos migratórios na América do Sul entre as Costas Atlântica e do Pacífico, um indicador da integração interpovos, está como que orientada pelo Paralelo 20, pois abaixo dele se volta para o Cone Sul e acima dele busca USA e Europa. A corroborar essa constatação foi que no hotel em Santiago encontramos várias arrumadeiras e atendentes negras oriundas da Republica Dominicana e não peruanas e bolivianas. Bem, mas isso é outra “história” dentro da “História”.

Fizemos um voo muito tranquilo de Santiago para Lima e fiz questão de “sentar na janelinha” pela curiosidade “geológica” que me despertou a Cordilheira na chegada ao Chile e constatei que o Peru acabou herdando a 2ª pior porção de “Los Andes”, pois a observação seguia cinza e desoladora. Já em território peruano, quando o avião inicia os procedimentos de descida e já se divisa mais claramente os contornos do litoral, o que se vê é “la sierra” derramando-se abruptamente sobre o mar em altas falésias de areia e pedras roliças, como pude constatar em Lima. Quanto privilégio a natureza deu ao Atlântico! Uma plataforma continental ampla com milhares de quilômetros de praias de areia branca e vegetação abundante, enquanto ao Pacífico legou apenas a “aridez cinza da terra” e o “azul negro” das suas profundezas. (Photo: acervo de viagem do autor)

A chegada ao Aeroporto de Lima não foi muito auspiciosa, ao notar que uma mala tinha tido violado o “lacre plástico” colocado em Santiago, mas sem prejuízos. Ao que ameacei protestar me contive, quando escutei os altos brados de alguém a quem tinha passado o mesmo, só que com severos prejuízos materiais e declarando alto e bom som: "não admito ser roubado em meu próprio país"...  Isso me deixou precavido.

Ficamos em um hotel em Miraflores “La Heroica” e isso foi minha iniciação à História do Peru. Em 1879 aconteceu a Guerra do Pacífico entre Chile e Bolívia pelo controle do Deserto de Atacama, localização de toda a riqueza mineral conjunta e onde a Bolívia tinha sua “saída” para o mar (Província de Antofagasta). Pouco antes o Peru firmara um pacto com a Bolívia, (Tratado de Defesa 1873) como precaução e pelo temor conjunto ao “expansionismo chileno” e assim envolveu-se na guerra também, que custou no final ao Peru (Tarapacá) e Bolívia (Antofagasta) a perda de partes dos seus territórios para o Chile. É aí que entra a participação de Miraflores, que foi um “reducto” de resistência à ocupação chilena. Isso explicou para mim as “arrumadeiras dominicanas” em Santiago, pois até hoje as relações da microrregião são tensas. Evo Morales há poucos dias reclamou junto a Sebastian Piñera na Assembleia da OEA, “o seguimento do acordo de 1904 que devolvia à Bolívia sua saída para o mar” e um vídeo no YouTube mostrava uma canção de treinamento de “marinheiros chilenos” contra os peruanos e argentinos. Esta é a LATINOAMERICANIDAD vigente.

Uma reflexão “ sul-americana” me bateu por todos esses fatos do Século XIX, quando era fortíssima a influência britânica, inclusive chileno/britânicas eram as mineradoras que na época exploravam o Deserto de Atacama e também sobre o Brasil, Argentina e Uruguai, pois provocou o “maior genocídio” das Américas com a Guerra do Paraguai, governado então por Solano Lopes, de forte “educação prussiana” e que estava fazendo do Paraguai uma potência regional na América do Sul, incomodando e ameaçando os interesses da Inglaterra. Coisas da geopolítica de então do “Império onde o sol jamais se punha”.

Lima, que detém um terço da população peruana de aproximados 30 milhões, ao contrário de Buenos Aires e Santiago, não impressiona por uma arquitetura marcantemente europeizada e/ou por um surto de edificações futuristas em concreto, aço e vidro, mas sim por um ordenamento urbano horizontal e geométrico com casas e ruas muito bem cuidadas. Não se vê em sua área urbana principal a formação de favelas e invasões, o que só acontece na periferia na fralda desértica da Cordilheira. 
(Imagem panorâmica - restaurante no distrito de Miraflores, Lima)

Sua face para o Pacífico assenta-se sobre uma falésia de aproximados 50 metros de altura, parcialmente protegida por vegetação e ou lama de concreto e isso me intrigou, pois ainda que seja uma camada instável as ruas em cima não são dotadas de sistema de drenagem. A resposta veio com a informação do baixíssimo índice pluviométrico sobre a metrópole e toda essa parte da Cordilheira. A umidade necessária é fornecida pela Corrente de Humboldt, que sobe desde o Polo Sul e lhe define o clima, não permitindo que Lima seja uma “cidade desidratada”. Durante os dias de verão a temperatura é agradável e à noite os ventos marinhos fazem com que a temperatura baixe bastante. No inverno ocorrem temperaturas de até 5º C, ainda que a latitude seja a mesma de Salvador na Bahia.

O “peruano comum” é cordato, educado, atencioso, de espírito alegre e amante das suas tradições e história, que são múltiplas pela formação étnica dos seus diferentes departamentos, inclusive em um comum conosco brasileiros, o Amazônico, mas acima de tudo pela variedade agrícola nativa, (batatas, milho e frutas), que fazem a riqueza da sua culinária ancestral e preservada até os dias de hoje. Mas duas palavras abriram-me todas as portas no Peru: Paulo Guerreiro... Sem mais comentários. Muito perguntei e muito ouvi e mais principalmente é que hoje com o fim do Sendero Luminoso o Peru vive “paz social” e um desejo muito grande de desenvolvimento e melhoria das condições de vida para os muitos “excluídos” ainda existentes, pois ainda que a moeda seja estável e o crescimento nos últimos anos seja consistente, sua base econômica ainda é muito inferior à maioria da América do Sul, superando apenas Bolívia e Equador. 

O “peruano das diversas classes média” de Miraflores é exigente quanto à sua qualidade de vida. Não foram poucas as tabuletas de advertência em casas e prédios quanto a punibilidade por poluição sonora e uma em especial me chamou a atenção, em um edifício sobre uma “loja de uma cadeia de fast food”: “O barulho de suas máquinas e a fumaça do seu óleo está nos matando”. Mas a condição de vida do “peruano” que eu queria conhecer, era a de familiares do garçom de nosso hotel, o simpático César, que morava em Lucumas ao lado da Panamericana Sul. 

Sobre os montes de areia do deserto, assentam-se milhares de edificações toscas perfeitamente organizadas mas sem a facilidade de água, luz e esgotos, além de transporte público muito distante e isso a uma distância de 20 km do Centro Histórico ao custo mensal de aluguel de 100 Nuevos Soles. (O salário mínimo é de 800 Nuevos Soles). De todos os países visitados foi o Peru o que mais me surpreendeu e a razão vim a descobrir agora consultando a Wikipédia: “A educação é obrigatória e gratuita nas escolas públicas dos níveis da educação infantil, primária e secundária. É também gratuita nas universidades públicas para estudantes que não possuem condições de pagar. Em 2008, várias instituições como a UNESCO, World Bank e Banco Interamericano de Desenvolvimento afirmaram que o Peru possui o melhor sistema educacional da América Latina e que os índices de matrículas da educação primária, secundária e superior são os mais altos da América Latina”.


Não foi a toa que não consegui ver em toda 
Lima prédios públicos e privados cobertos de grafite e abandonados e principalmente escolas sucateadas. O Governo Peruano investe pesadamente na imagem do país para fazer não só das Linhas de Nazca, Cuzco e Machu Pichu um destino turístico obrigatório, mas todo o Peru por toda riqueza cultural e histórica e para isso prepara o seu recurso natural mais importante: o peruano. Com toda a certeza, no Peru a primeira  impressão não é a que JAMAIS DEVE MARCAR... (Photo: acervo de viagem do autor)

Antônio Figueiredo é o @ToniFigo1945, mas para os velhos de guerra das trincheiras virtuais, ainda é o Chumbo Grosso.


Arquivo Latinoamericanidad:

Comentários

  1. A cada capítulo da saga, aumenta a vontade de fazer um trajeto semelhante.

    ResponderEliminar
  2. Peru está na moda, principalmente na culinária. estive por lá no início dos 70, quando meu pai morava em Guajará-Mirim e eu estudava no internato em Manaus. Viajávamos, no início e fim das férias, em aviões da FAB. Essa, provavelmente, foi minha primeira viagem turística. Hoje me arrependo de não ter ainda a curiosidade histórica que você demonstra nesse seu tour latinoamericano. Quisera eu poder aproveitar tal viagem como você aproveitou, conhecendo e nos dando uma aula.

    ResponderEliminar
  3. opcao_zili11/02/13, 14:07

    Bela aula de história.

    ResponderEliminar
  4. Valeu Chumbo, sempre de costas para America Latina não nos damos conta das muitas riquezas do continente. Muitobom saber cosas de los vecinos. Saludos!

    ResponderEliminar
  5. História interessante sobre o Peru, gostei muito do aprendizado, Chumbo! Obrigada por compartilhar suas experiências!

    ResponderEliminar
  6. Estou amando a viagem pela nossa América do Sul. Você está sendo um ótimo guia.

    ResponderEliminar
  7. Zinha Bergamin11/02/13, 21:32

    Quanto mais leio seus relatos de viagem,mais encantada fico!
    Bacana vc nos dar essa aula tão agradável,mas nos puxando pelas orelhas ao fazer-nos sentir nossa ignorância sobre nossos vizinhos! (Que vergonha,não?)
    Mas temos que lhe agradecer por nos "alumiar" nas coisas que parecem insignificantes,mas que na verdade são de uma riqueza fantástica!Pois não aprendemos há mto tempo que a verdadeira riqueza que podemos nos orgulhar é a do conhecimento?
    Obrigada,amigo,por nos presentear com mais um pedaço do seu tesouro!
    Vamos aguardar mais!
    Gde abç!
    Zinha

    ResponderEliminar
  8. Gostei muito do artigo. Boa prosa. O Paraguai e a Bolívia precisam reconquistar saída soberana para o Pacifico. Custe o que custar. Obrigado pela oportunidade de ler.

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares