O DILEMA AYRTON SENNA NA CORRIDA ELEITORAL DE MARINA

Foto de montagem com Playmobil de Heberth Sobral,
que reproduz a famosa invasão de pista no GP do Brasil de 1993 em Interlagos.


Em 1993, Ayrton Senna, que dispensa apresentações, já com fama, títulos e carreira mais que consolidados fechou um grande contrato com a escuderia McLaren, que teve dificuldades para pagar o piloto. Os patrocinadores faziam o pagamento por corrida. Antes dos treinos. já dentro do cockpit, ou até mesmo antes de voar para a cidade onde seria a corrida, o piloto checava se o dinheiro havia "chegado", caso contrário, simplesmente se recusava a correr. Tudo combinado com Ron Dennis, o chefão da escuderia. E pelo rádio mesmo pressionava os patrocinadores: "no money, no race" - sem dinheiro, sem corrida. Os patrocinadores depositavam o pagamento imediatamente, por óbvio. Na entrevista coletiva após aquela histórica vitória no GP Brasil, Senna declarou que "amor pelo que eu faço é a maior motivação. Sobretudo nos momentos difíceis é ele que acaba mantendo aquela chama".


Quem acompanha o processo eleitoral por dentro sabe que o discurso político é cheio de amor como motivação, e todo político o é apenas por causa do ideal que defende, assim como as declarações de Ayrton Senna em público (e nem de longe considero aquela atitude de não correr sem pagamento como errada). Mas os fatos não só brigam com essa aura idealizada, eles provam que, sem dinheiro, não dá pra dar a largada. Numa eleição, são poucos os que conseguem montar uma estrutura capaz de lhes ajudar a vencer. Os que conseguem sem grandes financiamentos existem (conheço alguns) mas são poucos, tão raros que talvez caibam nos dedos da mão esquerda do Lula. Política se faz por amor, mas sem dinheiro não se faz campanha, não tem voto. Sem voto, sem bancada, um partido não tem poder. 

Num arroubo de lulice, o PSB diz que entregará uma "Carta ao Povo Brasileiro", que seria uma garantia que Marina Silva cumprirá os compromissos fechados por Eduardo Campos, nesse momento em que é catapultada para o seu lugar. Por "aceitar" cumprir os compromissos (aspas porque falar é uma coisa e fazer é outra muito diferente), entende-se que Marina Silva não desmontará o trabalho que já foi feito pelo partido, desde as alianças regionais já fechadas e que possibilitam a eleição de deputados para formar suas bancadas federal e estaduais, como também deve-se divulgar para o público aqueles "compromissos" que servirão para tranquilizar o eleitor desatento, servir de discurso para a imprensa que lhe faz propaganda gratuita sem ser de graça e até o mercado financeiro: serão alguns assuntos voltados ao programa de governo já definido para a campanha de Eduardo Campos. A maioria deles, no entanto, Marina Silva jogará no lixo porque ela é contra. 

O que não constará nessa "Carta", por óbvio, mas é o mais importante dentro dos objetivos não apenas do PSB, mas dos partidos coligados como o PPS de Roberto Freire e outros nanicos, são os compromissos firmados em relação ao apoio financeiro aos diretórios estaduais que comandam as campanhas nos estados. A distribuição do dinheiro arrecadado para financiamento das campanhas dos candidatos à Câmara Federal e Assembleias Legislativas. 

Os partidários de Marina Silva - nenhum PSB, mas sim Marina/Rede - já deram várias declarações de que é preciso que eles comandem, a partir de agora, a estrutura toda da campanha. Já escolheram o responsável pelo comitê financeiro, que terá, em outras palavras, a chave do cofre. O PSB e os demais partidos que compõem a coligação de Eduardo Campos precisarão estar dispostos a sacrificar seus objetivos em troca de uma vitrine que, verdade seja dita, jamais lhe servirá, já que Marina declarou data para abandonar a legenda que a acolheu, quando o PT fez de tudo para impedir a criação do partido que a porta-voz tupiniquim das ONGs ambientalistas internacionais chamaria de seu. 

Os "analistas políticos" que insistem em previsões de céu de brigadeiro para a "eleição" de Marina Silva (o trocadilho é mais que necessário) precisam, para sustentar Marina Silva como favorita, ignorarem o fato de que eleição se ganha, mesmo, é gastando sola de sapato. Que encorpa as ruas a dedicação de cada "cabo eleitoral" país afora. E que não há cabo eleitoral mais forte, depois de prefeitos, que os candidatos aos cargos proporcionais, já que são eles que estão bem próximos das bases eleitorais, nas reuniões em fundo de quintal, em caminhadas nos bairros, em eventos maiores. São os que fazem a própria campanha também pedindo voto para governador e presidente. 

Por falar em prefeitos, aqueles do PSB que concorrerão à reeleição e os novos que desejam concorrer às prefeituras daqui a dois anos já saberão, a partir de agora, que não terão condição alguma de contar com a estrutura partidária - financeira - para suas campanhas. Quem garante que o "Rede" sairá do papel? Quem garante que Marina não se aboletará do poder no PSB no vácuo da perda do seu líder maior? Quem, de posse de suas faculdades mentais, pode apostar que todos esses agentes envolvidos no processo eleitoral da campanha presidencial dedicar-se-ão a eleger quem pode lhes tirar tudo?

O PSB sabe muito bem que é barriga de aluguel das tentativas de gestação do Rede Sustentabilidade, e em nome de algo que julgava, a princípio, ser bom para a candidatura do seu líder Eduardo Campos à Presidência da República, aceitou o papel com resignação. Mas o partido de Campos não é um lar adotivo para Marina, sequer um orfanato. Ao ceder à ela a chance de eleger os seus deputados e formar as próprias bancadas, aquelas que se manterão após a debandada da ong-militante com data marcada, o PSB estará então elegendo os deputados dela, do partido dela, que migrarão com ela. De barriga de aluguel passará o PSB a ser um doador de óvulos e de esperma para formar a prole alheia. 

Os redatores de teses de vitória da Marina terão de se esforçar bastante para elaborar textos que a elejam por ser uma ungida pela "Providência Divina" e que são todos felizes fazendo de conta que dinheiro não é importante numa corrida eleitoral. Nas próximas horas saberemos como o PSB lidará com esse dilema. Ao decidir por entregar todas as suas convicções e aspirações atuais e futuras, presenteando com o que pode e com o que não deve ceder - a chave do cofre - à neo-candidata, isso significará tão somente que os seus próprios corredores devem se conformar (e rápido) em dar adeus às chances de chegar ao pódio, vencendo a eleição. 

Não. Mesmo com tudo acertado "formalmente", essa não é uma corrida fácil, com um carro potente e principalmente, com uma equipe dedicada, a que Marina tem pela frente. Cada candidato do PSB nos estados terá plena noção de tudo isso. E cada um deles que terá a ciência de que no money, no race, não vai se dedicar nem um momento de suas campanhas para pedir que o eleitor que enche urna vote em Marina.  Nos momentos difíceis das próprias campanhas, eles terão apenas "o amor para manter aquela chama". Esta é uma corrida da vida real, não é uma montagem com bonecos de brinquedo para uma foto bonita.

Atualização: segundo o Estadão, o PSB não apresentará nenhuma "Carta aos Brasileiros". exigindo que Marina cumpra os compromissos de Eduardo Campos. Parece óbvio - para o partido, segundo o jornal - que ela não os cumprirá. 

Comentários

  1. Análise mais profunda que li até agora. Essa é a realidade das campanhas eleitorais em qualquer país do mundo. Não é errado, não é feio, apenas é a realidade com a ressalva que dinheiro de campanha doado não significa dinheiro sujo, mas caixa 2 é, e por isso em outros países com democracias mais avançadas presidente cai quando se descobre ninharias (pelos padrões brasileiros) desviadas. Já li história de primeiro ministro defenestrado por uma quirela de 25 mil euros (aproximadamente 75 mil reais). No Brasil Lula se safou com 10 milhões de dólares confessados por Duda Mendonça.

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