DEUS E O DIABO NO HORIZONTE DE EDUARDO CUNHA


Se Luiz Inácio Lula da Silva, por obra e graça do genial Lula Inflado, foi o protagonista absoluto do início da semana, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, é a persona do seu encerramento, nesses dias em que a coisa está tão ruim, mas tão ruim para Dilma Rousseff que ela sequer conseguiu ser personagem principal da própria ópera bufa, mesmo sendo o alvo de dois protestos em 4 dias: o da multidão contra, e o da multidinha "a favor".

Este blog não vai entrar nas muitas teorias da conspiração em voga. Nem as criadas por Cunha, e que são levadas a ferro e fogo como verdade absoluta pelas redes sociais, tampouco as mais estapafúrdias ainda, criadas pelo PT. Porque ainda que não fossem apenas teorias com objetivos particulares, elas tratam das "causas" para a denúncia contra Eduardo Cunha (e este é o maior absurdo delas). Portanto, ainda não teriam importância para as consequências reais que chegarão com a denúncia do Procurador Geral da República sobre a participação de Eduardo Cunha no escândalo do Petrolão. Este texto fala é delas, das consequências.

Seja quem toma partido de Eduardo Cunha com aquela paixão que ídolos causam, ou quem é capaz de avaliá-lo fora de qualquer emoção, com a frieza necessária para compreensão do momento, ninguém pode discordar de um fato: a denúncia em si já foi capaz de provocar rombo na República Tupiniquim. Ninguém pode afirmar com 100% de acerto o que ocorrerá. Mas pode prever que o fogo está com muita gasolina para ser alimentado. Do outro lado dessa mesma questão está o que parece ser um dos pontos de discórdia, mesmo entre os que fazem parte do mesmo grupo de "oposição" ao governo Dilma: que a denúncia seja capaz de causar um rombo no estoque de poder do presidente da Câmara. 

Alguns aventam, mas aqui entre nós, eu não vislumbro nenhuma possibilidade de que Cunha deixe o comando da Câmara. Nem por si próprio, nem por pressão de qualquer grupo de parlamentares, tampouco porque setores da imprensa pregam que sim, ele poderá deixar o comando daquela Casa Legislativa, em razão da denúncia (que sequer virou processo, ainda). Mas é evidente que a "Conjuntura Lava Jato", digamos assim, não é um cenário nem parecido com a de outros similares casos de descoberta de esquemas de corrupção. Dessa vez é diferente. Mesmo permanecendo na presidência e mantendo o discurso esperado de que recebeu com tranquilidade, elaborado com as devidas frases feitas de praxe, é imaturo, irresponsável e temerário que se aposte que o peemedebista não teve, já, os pilares da sua força abalados. 

As acusações contra ele são bastante graves e, à primeira vista, estão amparadas por evidências bastante consistentes. O próprio histórico de denúncias do MPF na Lava Jato é prova (lembre-se, não é Moro, o juiz das sentenças rápidas e corajosas, quem denuncia os crimes do Petrolão, é o Ministério Público Federal, que inclusive é o coordenador da Força-Tarefa). Esse histórico referenda que esta e outras denúncias contra políticos que ainda estão por vir, possuem consistência. Evidente que denúncia não é condenação, sequer processo (no caso de Cunha). E mesmo uma investigação não é sinônimo de condenação. Muitas inocentam o investigado, e é bom que seja assim, pois todos estamos sujeitos a uma acusação infame ou equivocada, convenhamos. 

Não obstante, mesmo com embasamento na denúncia, e na hipótese de autorização do STF para abertura da investigação, uma saída de Eduardo Cunha não seria de imediato, e tem fatos de sobra que referendam isso. Tome-se uma denúncia do PGR contra Renan Calheiros, ocorrida em 2013, igualmente consistente e duríssima, e que até hoje não teve nem entrada no STF. Outro exemplo pra corroborar que Cunha não "larga o osso" tão cedo é o recente arquivamento, já no STF, de um processo contra Jader Barbalho, caducado por idade. No STF o tempo não é contado em minutos de 60 segundas, e as coisas não andam como na Primeira Instância da Justiça Federal, em Curitiba, sob a batuta firme de Sérgio Moro.

Por outro lado, Eduardo Cunha mostra disposição, ao menos passa isso via imprensa, de brigar com afinco para evitar que perca o assento principal na Mesa Diretora. A probabilidade de renúncia é mínima, repito. Somente sairia por imposição legal, destituído pela maioria absoluta de seus colegas ou por uma condenação definitiva pelo Supremo, e aqui estão os caminhos que são efetivamente demorados - mas a via do Supremo é muito mais. Cunha não perderia o mandato nesta Legislatura. Não daria tempo.

Se é praticamente certo que ficará na cadeira de presidente da Câmara, por outro lado Cunha perde um bom grau da "moral", da capacidade para a ação política. Ninguém pode afirmar como ele se manterá psicologicamente, pois não foi visto numa situação de pressão tão grande como a de agora. O Cunha que pareceu herói para tantos, surfando nas votações da Câmara com maiorias potencialmente preexistentes, mas não organizadas; aquele que articulou uma reforma política, a redução da maioridade penal, a PEC da Bengala, quem pode afirmar que ainda exista, e, mais que isso, que resistirá? Que ele tem a faca e o queijo na mão para manter o Executivo Federal sob pressão, é inegável. Que conseguirá mandar na própria mão é uma possibilidade, mas que não pode ser afirmada categoricamente nem por ele mesmo, diante do espelho.

Tecnicamente Eduardo Cunha tem todas as prerrogativas para iniciar o processo de impeachment contra Dilma, mas estrategicamente, após ser tão avariado pela acusação de Janot, nem ele sabe ainda se é o melhor a fazer. Se não iniciou o impeachment antes, porque, competente conhecedor dos meandros da Casa que preside, Cunha sabe da impossibilidade (atualmente) de o resultado ser favorável aos que desejam o afastamento de Dilma, se iniciar agora, após a denúncia, o processo de impeachment não avançará. Não tem nada a ver com uma ação ou omissão da oposição, neste caso, é bom que se registre. Qualquer um com experiência nos bastidores de Brasília sabe que investir no impeachment via Cunha, agora, tem mais chance de dar errado do que sem ele. E ele, repito a aposta, não sairá da presidência. 

O maior risco para  Dilma e o PT, não é o de que Cunha, encurralado, acione a partida do processo de impeachment. O potencial estrago que Eduardo Cunha tende a causar é outro, e é muito grande. Mais uma vez quem o defende com paixão ou quem analisa-o friamente (gostando ou não dele, não faz diferença), convergirá nesse ponto: Cunha não vai cair, seja lá quanto tempo isso leve, sem carregar consigo uma penca de gente graúda do campo governista. O PMDB é base aliada do governo desde Lula, tem a vice-presidência dos dois mandatos de Dilma, diretorias e subsidiárias da Petrobrás. Mais que potencialmente derrubar consigo alguns petistas, Cunha tem nas mãos os destinos de muitos peemedebistas. E muitos que se tornaram seus desafetos. Para não ficar sem ilustração, Renan Calheiros, no mínimo, e até Michel Temer, apesar de os tais setores da imprensa não admitirem claramente tais desafetos.

Eduardo Cunha certamente sabe de muita coisa sobre muita gente. Não acima da sua cabeça - como Dilma e Lula, por exemplo. Não mais do que a percepção de quem está do lado de dentro do esquema sabe, quero dizer. E para derrubar precisa mais que percepção, precisa acumular provas. O presidente da Câmara não fará delação premiada, evidente, se nem processo há. Também não se espere - sim, é o que todos desejam ardentemente - que ele dê entrevistas com declarações bombásticas como um novo Roberto Jefferson. Este não é Cunha. Seu poder sobreviverá apenas pelo que ele puder controlar, e ele só pode controlar o que ele não dividir, mas usar para pressionar quem lhe interessa. Longe de "bombas" sensacionais, Eduardo Cunha continuará a municiar a imprensa com informações que sejam comprometedoras a respeito de antigos e novos adversários. Sejam elas verdadeiras, ou não. 

Entenderam? Se Eduardo Cunha "escancarar", não poderá controlar as informações e contra-informações que repassa, e que são do seu interesse. Uma vez dita, a verdade, se inventada, sai do controle de quem a criou e pode tanto se manter como uma verdade (sob outro dono), ou se revelar como mentira completa. É um risco que ninguém na posição - e com o talento de Cunha - correria. A verdade é de Deus. Mas é do diabo a função de não entregar a ninguém a chance de se reconhecer a verdade, mesmo se ela não for uma grande mentira.

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